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15 outubro 2011

Eu e o Professor


No meu primeiro ano na Unicamp, nada foi como eu esperava. História não era o que eu achava...me sentia um ET quase todo o tempo, pois minha trajetória era tão diferente dos outros que não conseguia me sentir fazendo parte do grupo.
Eu vinha de escola pública, eu sempre tinha trabalhado e me via fazendo parte de um grupo que nunca tinha pago uma conta na vida, adolescentes no total sentido da palavra.
Uma hora ou outra eu cruzada alguém que também se sentia um et e a gente estranhava tudo naqueles rosados garotos burgueses.
Não que eu nao gostasse deles, até gostava, só não me identificava com praticamente ninguém. Aos poucos me ambientei e formei um grupo se seria coeso até o fim da graduação e se despedaçaria em trinta mil pedaços após a formatura, sobrando apenas aqueles que realmente tinham elaborado um laço de amizade muito profundo. Pra minha alegria, são meus amigos até hoje.
Estive a ponto de desistir, tinha passado em jornalismo também, mudaria de curso e pronto.
Mas foi ai que li o livro do Professor.
Foi o seu primeiro livro, considerado por ele até um tanto quanto ingênuo. Talvez ele tenha razão, se compararmos com os três posteriores( que, claro, li também)
Mas o livro era ótimo, inegavelmente.
O tal primeiro livro teve um impacto inesquecível nos meus vinte anos.






Me lembro de pensar que,se aquilo era fazer História, então aquilo eu queria aprender a fazer. Eu gostei de tudo: do objeto de pesquisa, da análise absolutamente peculiar das fontes, da maleabilidade única para lidar com a palavra.
Inegavelmente um grande historiador e um grande escritor.
Consegui uma bolsa trabalho, logo deveria prestar algum serviço pra unicamp. Tinha parado de trabalhar e não podia me dar ao luxo de viver de dinheiro de pai, nem combinava comigo.
Procurei Professor para auxilia-lo em sua pesquisa.Para surpresa de todos, ele aceitou. Era famosa sua recusa em aceitar bolsistas, pois efetivamente gostava da pesquisa e creio que não se via com um assistente pra fazê-la.
Talvez tenha aceitado ao ver meu jeito de deslumbrada que só as meninas de vinte anos podem fazer.( Claro, aos trinta isso se torna ridículo....rs)
Mas ao contar isso, me lembro de como fui toda sorridente pedir para ser sua bolsista, falei com ele em um lugar que nem existe mais, tomado pelas mudanças que houve no IFCH.
Ele me aceitou, mas não posso dizer que eu o tenha auxiliado.
Ele me orientou na minha primeira garimpada no Arquivo Edgard Leuenroth, comentou comigo minhas descobertas, riu de mim muitas vezes, corrigiu umas tantas, ensinou umas outras.As reuniões em que eu mostrava minhas primeiras descobertas, em que eu comentava as fontes que tinha trabalhado, foram, pra mim, inesquecíveis.
Eu me sentava na ponta da cadeira, falando demais pra esconder o embaraço, enquanto ele observava sorrindo e falando pontualmente.
Descobri todo um universo de jornais, revistas, boletins, micro filmes, História que ia se fazendo na minha vista.
Não desisti da História.
Fiz todos os cursos que pude com Professor, e voltei a fazê-lo 15 anos depois, como ouvinte, só pra matar a saudades.
Pra minha - grata - surpresa, ele se lembrava de mim. Mais contida do que aos vinte anos, ainda sorri internamente quando em uma aula ele disse." eu estava pensando no que a Vivien falou na outra aula"
Ele estava pensando no que eu tinha falado. Pensei "yesssssssssss...!!!"e tive vontade de dançar como o caranguejo da propaganda de cerveja,mas nao movi um músculo, claro. Não ter vinte anos tem suas obrigações....
No final da aula, uma menina bonitinha sorriu pra mim: "ele é o máximo, nao é?"
Sorri de volta. É ..ele é o máximo



****texto publicado originalmente em 2006.

27 maio 2011

Tio neném e suas histórias















Tio Neném era irmão de meu avô Belo: aquela história que já mencionei por aqui...dois irmãos paulistas e tropeiros, que levavam os bois do pai fazendeiro, casando com duas irmãs cariocas.O que causou uma certa peculiaridade, pois todos os primos tem absolutamente todos os parentes em comum,algo diferente e bacana: primos-irmãos.
Uma vez, quando eu tinha uns seis ou sete anos, sentada no seu colo para ouvir histórias da antiga fazenda - a Dourada - percebi uma coisa engraçada:
- tio...
- fala.
- você está careca...tem uma carequinha aqui
....
- ah, mas ninguém sabe...- rindo - como você foi descobrir? Olha, você penteia meu cabelo e esconde essa careca, tá?
Super feliz, acreditei que só eu sabia que ele era careca. Quando o via, corria pra pentear seus cabelos, esticando alguns fios e tampando aquilo que apelidamos de "minha descoberta".
E eu adorava vê-lo, adorava as histórias de quando ele fugia das aulas pra nadar no rio, gostava das traquinagens, gostava de um mundo de menino de fazenda com lendas e bichos.
E ele tinha a mesma verve que meu avô: as histórias tinham efeitos especiais, silêncios, sons, barulhos de vento e rugido de onças, me deixando hipnotizada.
Uma vez, em sua chácara, me encantei com um porquinho. Isso, um porquinho, filho de porca...Quem pensou em uma coisinha como porquinho-da- índia errou, era um pequeno leitão.Oinc.
Ele me deixou levar o porquinho para casa - ou melhor, para o apartamento onde eu morava - com a promessa de trazê-lo quando estivesse maior.
"Chiquinho" andava com roupinhas de boneca, capinha, pagão e outras coisas que minha avó costurava pra mim. Tomava leite de chuquinha, corria e fazia um barulho enorme ao escutar o barulho da tal chuquinha batendo no chão. Umas batidinhas eram suficiente pra ver aquele porquinho, de capa vermelha, correndo pela sala.Oinc,oinc.
Morreu pequeno e chorei horrores, mas tio Neném me consolou, com aquele jeito de quem nasceu pra ser avô.


***Texto publicado originalmente em 2007.

15 abril 2011

Pedaços

















Fui no Café Filosófico hoje. Nhém. Os curadores não foram particularmente felizes nesta noite, que se revelou superficional, sem uma linha argumentativa clara, com pensamentos difusos e repetidos, que já haviam sido explorados em outras apresentações.
Falou-se da personificação do ideal de juventude para além dela própria ( o que já foi discutido em outros dias), das tribos urbanas ( apesar de uma tentativa de contextualização, a fala ficou bailando em uma linha tênue muito pouco acima do senso comum) e falou-se de drogas, o fato dessas últimas estarem presentes em divesas culturas e o fato de terem ligação ritualistica e farmacológica antes de seu uso degradador.
Nada de novo no front. Entendo que seja complicado falar para um público tão heterogêneo, isso deve dificultar a estrutura. Sai antes das perguntas, em geral, são tolas e óbvias e ninguém merece.


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Tô lendo Sidarta. Hesse estava em uma vibe doida quando escreveu, heim?



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Tô relendo Doutor Fausto e me lembrando porque Tomas Mann foi meu escritor favorito por anos.


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Fui rever M., amiga queridissima da época de escola e amiga queridissima para sempre. Almoço, papo e visita ao apê novo, lindão.


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Participei da atividade da madrugada na escola que trabalho: uma gincana super bacana. Provas culturais, esportivas. O povo dançando loucamente, salsa, gente, salsa. De tirar o chapéu, juro.


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Tenho provas pra corrigir e sabadão será com caneta na mão.


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Meu fiho está fazendo cursinho e está cada dia mais gente boa. Jocasta says.

27 janeiro 2011

O Rolo










Eu me lembrei do Cortiço ontem. Da briga entre a mulata e a portuguesa, do barraco das duas no meio do cortiço, da bagunça.
Ontem eu vi algo assim, mas muito menos literário e muito mais deprimente.
Com o carro no conserto, tive que ir dar aulas na faculdade de ônibus, o que detesto. Já tomei muito ônibus na minha vida, essa chatice...passo.
Sempre trabalhei de manhã, essa experiência com a graduação é interessante, mas é à noite. É um saco dar aulas à noite.

Mas não tive escolha, era isso ou faltar. Então, isso. Na volta, peguei uma carona com outra professora, que me deixou em um ponto de ônibus medonho. Era medonho, gente.
Era em frente de um botequim que cheirava a muitos anos sem faxina, com alguns bêbados rondando. Sério, uma caminhada de bêbados, parecia sindicato dos cachaceiros de Campinas.
E nada da porcaria do ônibus. E mais bêbados. E eu me encolhendo e pensando "manchete..professora fatiada e assada com batatas em um botequim de campinas!!!!". Meda. Porque qualquer um que me conheça, sabe que sou muito medrosa, muito mesmo.
Do nada surge o master bêbado, esses tipos que parecem uma caricatura humana, que olhados, despertam pena e irritação, porque são sempre, sempre, uns inconvenientes. Dito e feito, o master bêbado chegou perto de duas senhoras ( que estavam de braços dados, flores na mão e comentavam do baile que tinham saído, já meio chumbadinhas também)e começou a berrar:
- olha isso..olha isso....veeeeeeeeeeeia....feia...quem quer essa m***????
As duas se encolheram,eu entrei no botequim, pensando:morri, morri.
(Daniel sempre diz que o melhor dessas cenas é minha cara de pânico)
Continuou ofendendo as mulheres, até que um jovem, que chegou em seguida - vindo do mesmo bailão..- parou na frente dele:
- qual o problema aí, seu otário?? Tá ofendendo as senhoras por que??
O valentão se encolheu. Ficou quieto. Do nada,começou a gritar:
- eu piso na cabeça deeeeeeeeela...o sangue vai espichar!!!
Nessa hora eu já estava rezando, abraçada com a bolsa, com cara de choro.
A namorada do jovem que havia defendido as senhoras, pulou na frente do master bêbado: escuta aqui, seu b***, você é homem, mas não é dois!!! cala tua boca, seu bêbado nojento...aqui só tem mulher séria, só porque a gente vai no baile você acha que pode ofender, seu idiota!!!! some daqui, some,seu lixo< /em>.
- Euuu...não...bato em mulheeeer...porque não queeero....eu já matei, já matei...
- Então me mata, seu idiota
!
Dizendo isso, a moça sentou um tabefe nas fuças do bêbado. Mas um senhor tabefe, com mão aberta, que fez barulho mesmo. Aí um grupo de adolescentes saindo de uma escola começou a rir, o pessoal começou a tentar acalmar, até eu entrei na história, acalmando a moça, oferecendo água, essas coisas que quando a gente entra na turma do "deixa disso" faz. Porque eu sou apavorada, muito apavorada, porém,maior que o meu medo de bêbados, é o meu medo de linchamento, e aquele imbecil, uma vez no chão, viraria uma panqueca de sangue.
Ele continuou:
- eu sou primo do xxxx - não entendi o que ele disse - sou graaaande lá no xxxxx - disse o nome de uma favela -eu te mato,heim?
- mata nada, seu bêbado, seu otário, sai daqui senão eu é que te arrebento.
E gritou:
- frouuuxo!!!
O bêbado foi embora, eles tomaram seus ônibus e logo passou o meu.
Subi, ainda com um medo dos diabos, achando a tal da moça uma heroína dos becos. E parecia uma história digna da Madame Gongadeira,afinal.
Socorro.



****post originalmente publicado em abril de 2008.

03 janeiro 2011

Histórias de horror para colorir

















Éramos em cinco professores na mesa do Piola. Eu sempre achei o preço de lá um verdadeiro roubo, mas vocês sabem como sou provinciana. Meus fashion amigos iam sempre e decidi ceder, algumas vezes.
Então, após o papo básico cinema-música-política, a conversa caminhou para a infância de cada um.
Claro que qualquer ouvidinho curioso que estivesse buscando bordas do nosso papo, imediatamente sacaria que ali o estilo "infãncia-momento-feliz" não existia.
Eram pequenas histórias de horror, que provocavam gargalhadas. Dentre todas, me lembro desta aqui:
Um dos professores, alto, bonitão e engraçado, desfiava o rosário de sofrimentos de sua infãncia. Nada grave, nunca cortou cana pra sobreviver, apenas foi criado de forma muito rigorosa. Até os 18 anos, não tomou refrigerante. Sua mãe proibia e ele respeitava isso sistematicamente. O caso é que quando achou que era adulto, quando entrou na unicamp, se matou de tomar coca-cola, com ares de pecado eterno. Disse que comprava e tomava, triunfal.
Usou mochila do Cebolinha até o terceiro ano do ensino médio, comia solitariamente uma maçã nos intervalos que pareciam durar séculos.
Mas o pior, o pior mesmo, aconteceu no pré.
Em uma aula, ele sentiu que uma quantidade considerável de gases queria sair de seu traseiro, assim, em plena aula.
Com uma força hercúlea, segurou as pontas, até que a natureza venceu. Infelizmente, junto aos tais gases, seu traseiro expulsou também uma pequena - mas lamentável - quantidade de um outro elemento mais escatológico.
Entrou em pânico. Parado, estático, esperou um momento. Pediu pra sair e foi direto para o banheiro, onde tirou a cuequinha. Com medo de ser descoberto, teve a genial idéia de escondê-la. Saiu, assobiando, olhando pra um lado, pro outro, decidiu ir até a quadra e esconder a prova do crime dentro do cano da trave de futebol.
Voltou pra sala, pensando ter cometido o crime perfeito.
Dias depois, uma servente balança, diante de todas as crianças, uma cuequinha - devidamente limpa - perguntando de quem seria. A criançada se torce de rir, e K., estático, ficou olhando fixamente a cuequinha.
Diante dos nossos risos, disse:
- Era do piu-piu. Eu sempre odiei o piu-piu.



********publicado originalmente em 2008.

18 novembro 2010

Os chatos











É muito bom ser professora. Eu já contei tanta coisa de alunos...já falei disso, disso e disso. Mas hoje eu queria falar sobre o Lado Negro da Força.Porque nós, professores, também temos o nosso ladinho Dart h Vader, vamos combinar.
Eu gosto dos meus alunos, sempre gostei.Em todos os anos como professora, só não gostei de dois alunos. Mas não foi só não gostar, eu confesso aqui, eu detestava aquelas criaturas.
Uma era uma garota chata. Chata, gente, chata...não era bonita, nem feia, nem burra, nem inteligente: era um zero à esquerda. Era uma tentativa patética de ser indisciplinada, mas era tão chata que nem adeptos pra bagunça conseguia.
Nada contra os indisciplinados: em geral, são engraçados, criativos, me dei bem com grande parte deles. Mas essa coisinha aí eu confesso, eu passava longe, eu doava, eu preferia não ter conhecido.
Mas o pior era o menino. Eu fui sua professora há muitos anos, hoje ele é adulto.
Era uma criança medonha e deve ser um adulto medonho, não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe, sacumé?
Ele era um lindo garoto, no maior padrão angelical: olhos imensos, azuis, cabelinho loiro.Mas eu vou dizer pra vocês....nunca conheci um menino tão cruel com as outras crianças, tão sádico, tão manipulador.Tudo com os grandes olhos ingênuos negando....
Vocês podem estar ai pensando que vou queimar no fogo do inferno por dizer isso, mas eu não tenho culpa de ter dado aula pro Bebê de Rosemary crescido!
O moleque parecia saído de um filme de terror, saca criancinha malévola no estilo A Profecia???
Nunca vi aquilo, tão jovem e tão escrotinho.
Pra se ter uma idéia, os professores chamavam a criatura de "anti cristo". Um dia, na sala dos professores, a professora de português dizia:
- Ah, eu venho dirigindo e rezando, rezando...
( risadas de todos)
- Aí eu me imagindo colocando a mão na cabeça deles e rezando...
( risadas de todos)
Sério, povo, a turma era tenebrosa messs.
- E o "anti cristo", você também abençoa??
- Até que eu eu tento, mas pelo sim e pelo não, não dou as costas pra ele não...


******* queridos, leiam os textos que deixei linkados aqui, são três textos que gosto muito e que traduzem bem a vida dentro de sala de aula. Beijos.**********

15 setembro 2010

Tem aluno que....


Faz uns mil anos que sou professora. Já tive aluno de tuuuudo quanto foi jeito: inteligente, engraçado, chato, preguiçoso, plugado, playboy, mano, emo ( juro que alguns eram bem legais), bem humorado, esforçado, cego, com Down, gênio, bipolar, adotivo, filho biológico, hetero, gay, com dificuldade, rico, bobo, generoso, agressivo, gentil, criativo, falante, calado, tímido, expansivo.
Outro dia um carro buzinava histericamente, dentro dele, um homem adulto ( adulto, povo, vejam isso) berrava: Vivien, Vivieeeeen, tiiiiaaaa!!!
Converso com alguns pelo orkut, vejo suas vidas, filhos, profissões. Morro de orgulho deles, me lembro de trabalhos, de micos, de saídas de estudos - que me deixavam de cabelo em pé e coração na mão.
Rimos juntos de coisas banais do passado. Dou uma de mãe e conto no twitter que a jovem jornalista que ali posta ia pra aula com uma boneca no colo, ela quas me mata, a gente se esborracha de rir.
Outros esqueci, outros faço questão de esquecr, porque, vamos lá, né? sou professora, não a Madre Tereza de Calcutá!
Mas acho que tenho um provilégio ímpar: eu consigo estar com eles em um momento nevrágico de sua vida, momento que eles só vão sacar o nível de importância décadas depois. Mas eu sei hoje e acho incrível.
É um provilégio ver essas jovens mentes se desenvolvendo.
Hoje foi um dos dias que isso ficou mais claro: passei parte da tarde escolhendo canções de protesto e outras ligadas à contracultura para um grupo de alunos muito especiais apresentar na Mostra Cultural da escola.
Vou ser muito, muito coruja se eu disser que eles escrevem bem, cantam bem, tocam bem, desenham bem...e PENSAM melhor ainda? Ah, vou ser, mas paciência. É uma moçadinha de ouro, povo.
E a apresentação? Vai ter trechos de Brecht, vai ter pinturas, vai ter uns lances cênicos e eu me pergunto se seria possível qu eu me realizasse tanto assim em outra profissão. Duvido. Como eu disse, é um privilégio.

27 abril 2010

Trabalho de preso



















"Trabalho de preso" era como denominávamos aquele trabalho desgraçado, repetitivo, chato pra burro, que nos dava um salarioziiinho, bem zinho, chumbrega, que era depositado em nossas parcas contas no final dos 80.

Nessa época eu trabalhava em um lugar que não parava - já contei uma de nossas façanhas aqui, quando o rodízio dos turnos nos permitia viver umas horas sem o acoite de Dona Onça, a "otoridade" do setor - havia sempre alguém trabalhando.

Como toda "otoridade' burocrática, D. Onça era chata, mesquinha e autoritária.

Só quem trabalhou em lugares caóticos sabe que o caos gera um tipo muito idiossincrático de humor, afinal, sem isso não há chances de sobrevivência.

Uma das piadas idiotas que nos faziam rir era chamar o café de veneno. E era um veneno: era horroroso e tenho certeza que nossas insistentes e irritantes conversas sobre como o-café-era-horrível, faziam com que a fulana da limpeza caprichasse em torná-lo ainda pior. Pequenas vinganças, sacumé.

Havia um dos digitadores - porque essa era nossa chatérrima função - que era uma figura: engraçado, emendava uma piada na outra, um deboche no outro e fazia todo mundo se acabar de rir. Menos d.Onça, óbvio. Tadim da d. Onça.

Me lembro dele chamando todo mundo, estalando os dedos:

- gente, corre....hoje o veneno tá demais.....

Para manter a temperatura adequada aos computadores, a fulana deixava a sala gelada. Esse cara, um negão gordo e alto, colocava o capuz da blusa e amarrava, se transformando em um versão extra gg da fofolete. E agourava a maluca:

- se Deus for justo ela tomba...

O território ali era de risadas, pois só isso fazia com que as horas passadas ali pudessem ser "suportáveis". É a criação no caos.

Em um final de ano, quando tiramos o amigo secreto, trocamos bilhetinhos por um tempo. Os bilhetinhos, endereçados aos amigos ( "para vivien de seu amigo secreto", "para joão de seu amigo secreto"balablabl) eram colocados em uma caixinha e trocados algumas vezes ao dia.

Acontece que o 'amigo secreto" que havia me tirado deixava textos tão engraçados, tão interessantes que o pessoal pedia pra ler alto todo dia. Parava tudo, todo mundo queria ler o texto que eu recebia.

No início, percebiam que eu ria sozinha lendo os tais bilhetes, porque eram ótimos. Curiosos, os outros funcionários começaram a pedir pra ler também e com todo bom "boca a boca" , fizeram uma bela propaganda dos textos que eu recebia.Em pouco tempo eu tinha que ler em voz alta pra todos, que rolavam de rir com meu escritor particular.

Eu dividia os textos, mas os chocolates que ele colocava eram só pra mim, porque com chocolate não se brinca.

O grande lance era descobrir quem era esse meu "amigo secreto escritor".

Fofocaiadas à parte, só soubemos quem era no dia da festa de fim de ano, onde ganhei um livro incrível do Thomas Mann e ele as glórias dos fãs.

Deve ter sido o primeiro sucesso literário dele.

Será que virou blogueiro?












*******publicado originalmente em abril de 2009.

09 abril 2010

vote em.....


Como estou contando as aventuras das quintas séries, vale a pena lembrar disso aqui: durante muitos anos, eu utilizei uma estratégia lúdica pra discutir questões relacionadas ao processo democrático.

Como as crianças tinham que discutir conceitos como cidadania, democracia e poder, percebendo as diferenças entre essas concepções quando de sua criação e hoje, fazíamos o seguinte: cada grupo escolhia um personagem mitológico grego e se preparava pra sua eleição.Formavam uma equipe que iria fazer sua campanha.

Começavam com uma reunião pra dividir tarefas, passavam pra pesquisa sobre o seu personagem e dos outros, faziam material de propaganda, discursos, jingles. E se preparavam pra o momento que mais gostavam, a hora do debate.

A idéia era utilizar a pesquisa para "questionar" a competência do outro candidato. Assim, eles tinham a seguinte estrutura: pergunta - resposta - réplica - tréplica. Dois cronometravam e todos debatiam.

- Como você pode defender o seu candidato....? Zeus era infiel!

- Não dá pra confundir vida privada com vida pública!!!

- Mas se ele trai a mulher...pode trair os eleitores....balbalbalbal


@@@@@@


- Seu candidato estimula o alcoolismo!

- Dionísio não prega o alcoolismo , isso fazia parte da cultura deles e...bnlabalbalbal


@@@@@@



- Sua canditada, Athena, é incoerente. Ela é a deusa da sabedoria e da guerra..!

- você está sendo anacrônico, eles pensavam diferente da gente e....


( cada vez que eles falavam "anacrônico" eu tinha um treco)



@@@@@@


- Sua candidata é fútil, só pensa em beleza exterior..

- ISSO não é verdade, Afrodite se casou com Hefestos, o deus mais feio de todos!

- casou porque foi obrigaaaaaaada e blablabla...



Isso durava algumas aulas, eles discutiam um pouco antes de dar a resposta, suados e felizes, alguns fantasiados, outros com crachá do seu candidato.


Em geral, respeitavam as regras: não poderiam dar brindes ou colocar cartazes fora da delimitação.Palavrões também eram proibidos, mas às vezes a própria "denúncia" era um problema...( "professora, ele falou foda, falou fooooooda, foooooooodddaaaaa...!!!!")

Algumas mães entravam na jogava, ajudando com o material que eles traziam, aparecia , por vezes, um Poseidon com barba , coroa e tridente, por exemplo.

A experiência foi muito interessante pra mim e, pelo que notei, pros meninos também. Como acompanhei várias turmas crescendo, conversamos sobre essa atividade anos depois. Até hoje recebo mensagens por email e no orkut.
Meu projeto é que eles vivenciassem o processo democrático, experimentando-0 , envolvendo-se nele. Gostava de perceber que assim eles também desenvolviam a argumentação, o trabalho em equipe, a ética. Recebi denúncias de "compra de votos" que deram em "cpi" extremamente rigorosas. Quero pensar que contribui, ainda que de forma simples, pra formação da cidadania desses meninos.

E eu me diverti muito, muito mesmo.




@@@ publicado originalmente em 2007.

18 março 2010

alunos e avós I


Essa história tem uns dez anos. Eu trabalhava em uma escola deliciosa, com sala ambiente, turma pequena e interessante, onde experimentei e aprendi muito.
Uma das atividades que eu fazia e gostava muito era ajudar as crianças a escrever a biografia dos avós, trabalhos que saiam comoventes, lindos.
Uma das vezes, pedi a uma aluna que convidasse sua avó pra conversar com a turma. Elas toparam: preparei a moçadinha - uma turma maluca de quinta série, e já falei como as turmas de quinta série são...- pra receber nossa convidada.
Ela era uma senhora já bem idosa, bonita, simpática, cabelinho branco e colar de pérolas, "Composta" - diria minha avó.
Ela era ucraniana, falou sobre sua infância, as brincadeiras, família, tudo o que eles perguntavam.
A curiosidade deles era infindável, foi delicioso. Ela era o centro das atenções, da forma mais respeitosa que vocês puderem imaginar.
Contou que ainda muito jovem, fez um treinamento como paraquedista e foi para o exército, trabalhar como uma espécie de enfermeira, durante a segunda grande guerra. Contou sobre toda as mudanças trazidas pela guerra.
Explicou que foi se despedir dos pais, que choravam muito, e disse que em alguns meses eles se veriam novamente, não precisavam se preocupar.Ela fez uma pequena, emocionada e significativa pausa e acrescentou:
- Eu nunca mais vi meus pais.
A turma estava em um silêncio total. Jamais vou me esquecer da carinha deles, quando ouviram essa frase. Contou sobre sua vinda para o Brasil, sobre a pobreza que passou, sobre a barreira da língua. Disse o quanto se esforçaram para que todos os - oito - filhos estudassem, falou com orgulho sobre isso, sobre filhos e netos brasileiros.Saiu da sala com beijos das crianças e tão feliz quanto eles. E ficou na minha história pra sempre.***publicado originalmente em abril de 2007.

04 março 2010

A apresentação



Eu trabalho com RPG & Educação há alguns anos, esse é o tema de minha pesquisa. Já tive a oportunidade de apresentar partes desse trabalho aqui em Campinas, em São Paulo, Curitiba e no Rio. Na última vez que fui apresentar no Rio, dividi a mesa com um professor da Usp, vejam como sou chiquérrima. Ganho pouco mais me divirto, certo?
Faz um tempo, participei de um encontro sobre Freinet aqui na Unicamp. Como eu conhecia as organizadoras, elas tiveram a gentileza de me colocar pra dividir a mesa com esse meu Amigo, de quem já falei aqui.
Tínhamos muita conversa pra colocar em dia e um queria ver o rumo do trabalho do outro, foi ótimo.
De manhã, assistimos essa ou aquela palestra, encontramos pessoas e papeamos, o de sempre em congressos assim.
Fomos almoçar e voltamos apressados pra sala: arrumamos tudo, tínhamos levado material de aluno, painéis, blablablá.
Aí sentamos e esperamos.
Esperamos.Esperamos....e-s-p-e-r-a-m-o-s.......
A primeira a surtar, evidentemente, fui eu:
- Fulano, não vem ninguém...ninguém...!
- Mas eu vi a lista de inscrições, estava lotada....
- ..........
-.............
- Eu sabia que isso ia acontecer, ai me horrível , tô me sentindo toda rejeitada...(risos nervosos)
- Vamos escrever na lousa? assim..."vão se ferrar seus desgraçados.."...(risos)
- (risos)
- Vivi, vamos ver o nome de todo mundo....aí vamos perseguir, se eles forem apresentar alguma coisa, a gente enfia um monte de nome na lista...só pra eles ficarem com cara de bunda!!!
- Igual a nossa agora??? Que droga, ninguém...( desolada)

Uma moça coloca a cabeça dentro da sala:
- Oi, tá muito cedo ainda, né??
- ?????????
-???????
( moça) falta muito pra começar? é que eu gosto de chegar antes....

Olhamos para o relógio, estávamos prontos UMA hora antes. Sofremos pra diabo, por pura precipitação. Ataque de vivien crônico.
Aos poucos a sala encheu, contamos a história pra relaxar e funcionou.
E foi bom demais.


***post originalmente publicado em 2007.

02 março 2010

Sobre a confiança


Meu irmão caçula esteve esses dias em Campinas. Está trabalhando em São Paulo e estou sentindo sua falta. Ele é quatro anos mais jovem do que eu, o suficiente pra eu achar, quando era criança, que era meio que meu filhinho.

Carregava no colo, usava de cobaia na minha escolinha - ele entrou alfabetizado na escola, vejam quanto eu aluguei o fulano....- sacaneava um pouco, contava historinha.

Meu irmão cresceu e ficamos muito amigos. Só ele me faz rir , quando tenho crises de fúria: é só ele fazer uma cara palhaça e dizer:

- oooonça, calma....

Aí eu começo a rir e a raiva já foi pro pé.

Ele tem um humor que adoro e nos comunicamos por mínimos sinais, dá pra ter uma conversa inteira assim, minha amiga Tati comentou isso outro dia. E dá mesmo.

Quando aprendi a dirigir - tarde, com 27, 28 anos - só conseguia guiar se ele estivesse no carro. Sério. Se ele não estivesse eu não conseguia, veja só.

Um dia ele estava cheio de mochilas, ia voltar pra cidade onde cursava arquitetura e não tinha ninguém em casa pra levar até a rodoviária.

- Bom, Vivinha, você vai ter que ir me levar. Depois você volta legal, você já sabe dirigir bem...

- Ricardo, não dá...sem você eu não consigo....( me descabelando) você é minha peninha do Dumbo!!!

- ( gargalhando) A peninha não servia pra nada, ele voava sozinho, lembra??? daaaa.........

Fui, levei e voltei, com o coração disparado, dirigindo a barcona que meu pai tinha na época( só fui ter meu carro com 29). Mas foi incrível.




***post originalmente publicado em abril de 2007.

25 fevereiro 2010

Alunos


Juro que ouvi:

Fulano (12 anos)

- professora, com todo respeito, sua blusa é sexy....

( a frase já seria engraçada...mas o "com todo respeito" é pra derreter qualquer um)


Mês passado, uma aluna jovem e bonita apresentando trabalho no curso de engenharia e o Sicrano ( 33 anos) de olhos compridos à lá lobo mau pra cima da menina:

( eu, repressora total) - Sicrano, sossega aí , você é casado e tem três filhos que eu sei...

( Sicrano, rindo) - poxa, professora, boi amarrado também pasta......

( Se ele mandasse um "cavalo velho gosta de capim novo" eu juro que levava uma tamancada no meio da idéia)


Uma aluninha de 13 anos vem me procurar:

- professooooora......
- fala...
- sabe o fulano?
- ahã.
- você sabe que a gente fica, né?
- sei, você contou.
- então...
- ......
- quando a gente fica é super legal, mas quando a gente se vê aqui na escola, ele nem fala comigo. Na hora do intervalo, ontem, eu falei oi e ele nem olhou! nem olhou!!
Uma hora manda um monte de email, uma hora a gente fica...e uma hora ele nem fala comigo.....isso é normal???

( O que eu poderia dizer? que talvez ele não crescesse nunca? Que isso poderia acontecer com ela até os 30, vixe, não......então, eu menti)


Há anos eu trabalhava em uma escola, como professora de História, no ensino fundamental. A escola tinha salas ambiente, turmas pequenas, muito bacana. Um dia, no meio da minha aula, um aluninho que eu adorava, todo descoladinho, cabeludo, aparece com um buquê lindíssimo pra uma aluna. Claro que eu deixei entregar e claro que minha aula acabou ali.
As meninas todas ficaram histéricas, em volta da presenteada, como umas abelhas barulhentas e alegres. A dona das rosas, estava roxa, rindo.
Eu estava curtindo tudo aquilo, fui dar um beijo no cavalheiro mirim:
- o professor Tal disse pra eu dar as flores na SUA aula...disse que você ia adorar. Você adorou, né, Vivien??


( Adorei .Tomara que ele tenha continuado assim.;0)



***post originalmente publicado em novembro de 2006.

08 fevereiro 2010

As moiras


Eu estava saindo do supermercado,com minha mãe. A velhinha me abordou:
- oi. Você pode me levar pra casa?
Foi tão rápido, respondi sem pensar:
- claro que posso.
Minha mãe foi racional:
- Mas a senhora está sozinha? Com quem a senhora veio?
Ela explicou que tinha vindo sozinha, mas que era difícil voltar de ônibus, com as compras. Olhei as compras dela, sacolinhas amarradas em um carrinho de feira.
Fomos pro meu carro, mas era difícil colocar o carrinho de feira na mala.
Ela organizava:
- Nós três juntas vamos conseguir, vai, vamos lá, um, doi,três!!!
Tive de chamar um funcinário pra ajudar, ela falava, lúcida e animadamente.
Contou que era sozinha, não tinha casado ou tido filhos, que tinha tido uma sobrinha que a ajudava, mas a sobrinha havia morrido.
Ela parecia minha avó, falava como minha avó e aquilo me doeu de forma insuportável. Eu dirigia e chorava , achando ótimos poder esconder isso nos óculos escuros.
Pensei naquela cena insólita: na tríade feminina, a mulher, a senhora e a velha.
Tenho mania de achar que tudo é um sinal, tudo significa algo além do que posso ver. Aquele dia, pra mim, foi um sinal.
Me comovi com a velha e sua solidão, me comovi com a velhice que iria chegar pra minha mãe e pra mim, me comovi com a saudade descomunal que sinto de minha avó.
Ela contou da vida, falou muito, me abençoou. Disse pra chama-la de Detinha, porque todo mundo a chamava assim.
Deixei dona Detinha em um prédio de classe média, onde o porteiro veio ajudar a tirar o carrinho e a velhinha. Muito cuidadoso com ela, porque ela inspira isso.Eu disse que era perigoso, que ela não deveria fazer isso, mas ela riu e disse que sempre tinha gente boa no mundo, gente pra ajudar.
Abracei chorando a d.Detinha, esperando que ela continuasse com essa gana de lutar contra a solidão e com esse jeito de avó.




***Publicado originalmente em março de 2007.

14 maio 2009

As meninas









O ano era 1989, o lugar era a Unicamp e as três calouras tinham entre 18 e vinte anos. Estavam sentadas em uma escada, no IFCH, próximas da secretaria. Falavam banalidades e riam, riam da mesma forma como fariam durante os próximos quatro anos,achando tudo engraçado, achando todos muito engraçados, e principalmente, achando a si mesmas muito engraçadas.
Uma delas interpelou as amigas:
- Olha ali, não é o pessoal que estava apresentando o Brasil- século XXI?
- Acho que sim, são eles mesmos...eles falaram hoje. Eu não assisti, fui só ontem.
- Aquele ali não é o Fernando Henrique Cardoso?

***** pausa: atentem para a data, ele era o então professor da USP e senador, foi antes de seus mandatos como presidente *****

- Ele mesmo, pô, bonitão, heim?
- Credo, fulana...que velho.
- ah, mas dá um caldo...
( risadas, comentários impublicáveis)
- Ele foi professor da USP ainda jovem, sabiam?
- É mesmo, professor da USP, ai, fiquei nervosa...
( mais risadas)
- Olha só, vou passar ali e dar uma bundada nele.
- ????
- Só uma bundadinha, ué.
- Que isso, fulana, tá maluca?
- Eu vou andando e ai, sem querer, eu esbarro nele. Mole, mole.
- Como assim, sem querer??
- Bom, pelo menos um dia, quando eu for mais velha, vou poder contar que dei uma esbarrada nele. Nossa, olha que chiquérrimo....
( risadas)
A menina foi andando, completamente rebolosa, chegando perto do então professor, deu uma bundada no fulano. Totalmente sem querer.
Ele virou, ficou olhando, divertido.
Ela foi embora, as outras riam ainda. E rindo foram pra aula.

*****publicado originalmente em 13/11/07

12 abril 2009

As flores de D. Beija





Essa coisa toda com o pé me trouxe algumas coisas. Trouxe tédio, por ficar enclausurada, preocupação por conta de meus alunos ficarem sem aulas, medo de que a saúde piorasse, etc e tal.
Mas como tudo tem não dois lados, mas muitos, consegui ver a quantidade de pessoas que se preocupam comigo.
Foi um tal de amigo vir, ligar, escrever, foi tanta gente dando carinho, que isso me reconfortou muito. Mas, para minha surpresa, descobri que uma pessoa, uma pessoinha baixa, estava feliz com tudo isso.
E a desocupada bate o cartão aqui no blog sempre, vocês acreditam?
Creiam, queridos, creiam, existem pessoas baixas assim. A ponto de terem uma vida tão vazia - e cheia de mentiras - que se contentam em saborear os problemas alheios.
Sim, claro, falta de divã, certo? Uma dieta pra queimar as banhas já seria um passo.
Mas eu acho realmente, que não devo dizer o que penso sobre esse ser esquisito. Mesmo porque, gastaria meu tempo e o seu com isso, não valeria a pena.
Portanto, lembro uma historieta de D.Beija e suas invejosas vizinhas:

"Um dia, um escravo entrega para D. Beija uma linda bandeija de prata, coberta com um finíssimo guardanapo. Ao descobri-lo, a cortesã vê que recebeu uma quantidade de esterco de vaca. Sim, cocô de vaca enviado como presente. Imediatamente, manda o escravo colher as mais belas flores do jardim e enviar de volta, como um presente.
Surpresa com a atitude, uma mucama pergunta a D.Beija porque ela mandaria flores para quem havia enviado fezes
.


- Simples - responde, ela - cada um dá o que tem."

12 março 2009

O Rio Nilo na sala de aula


Quando eu trabalhava com ensino fundamental, tive experiências inesquecíveis. Algumas já contei aqui, outras eu gosto de lembrar.

Uma vez, junto com uma 5a série animada - e me parece que todas as 5as séries são animadas até as orelhas...- tive uma idéia aparentemente bacana: pra finalizar um trabalho que eles estavam desenvolvendo sobre Egito Antigo, faríamos um grande painel na sala.

Peguei o material na sala de artes: papel pedra, papel sei-lá-o-que que parece água, canetinhas, brilhinhos, toda uma parafernália maluca.

Era menino desenhando na mesa, no chão, pendurado no ventilador, uma farra.

Só que eu não tenho essa perspectiva do conjunto, essa noção estética, essa coisa da criação plástica, sou horrível nisso. Horrível pra valer, eu não faço a mínima idéia de como alguém pode ser cenógrafo ou arquiteto, me parece um tipo de conhecimento alquímico que nunca terei. Acho lindo. Absolutamente lindo.

Começamos a fazer um enorme rio Nilo, o papel que parecia água acabou e uma das meninas emendou um papel crepom. Esse também acabou e um garotinho colocou outro papel crepom, de outra cor. Foi uma emendação sofrível, entortada pra "parecer" um rio, tosca.

Eles desenharam pirâmides, sarcófagos e barcos. Cada um de um tamanho.

Quando tudo estava colado. Cruzamos os braços e apreciamos, com cara de intelectual em galeria de arte. Finalmente, alguém falou;

- professora...tá feio pra caramba....

Caímos na risada. Estava feio, estava horrível, desproporcional, medonho. Olha, rimos muito.

Eles decidiram não tirar, a sala ficou com aquilo pendurado. Até que foi trocado por nossa próxima idéia brilhante.



**** post publicado em 2007, republicado em atenção às minhas turmas de Pedagogia, repletas de animação, idéias e milhões de perguntas.
Beijo pra vcs!

21 junho 2008

O Acidente







Adoro Souzas, adoro mesmo e meu filho também . A gente sempre aparece nessa cidade linda, pequena, bucólica e meio hippie pra almoçar aos domingos.
Mas aquele dia a gente tinha ido tomar café em um lugar super charmoso, com quintal enorme, árvores, uma delícia.
Bom, tô voltando pra Campinas, cantando no voltante, toda felizinha,quando vejo um garoto de bicicleta ,segurando a traseira de um ônibus.
Claro que o instinto "tia" fala mais alto que qualquer coisa e tentei resolver o erro do idiota: se o tal besta pensasse sozinho, não seguraria na porcaria do ônibus....buzinei e de uma maneira não muito delicada, disse que ele ia se ferrar se continuasse com a tal brincadeira arriscada.
Bom, dito e feito.O ônibus acelerou, o garoto soltou e foi garoto-bicicleta-garoto-bicicleta-garoto-bicicleta...transformado em uma bola vermelha que foi bater na mureta da estrada.
Parei o carro com o instinto "tia" apitando, chutei os indefectíveis tamancos e saí correndo no meio da estrada, a própria mulher maravilha campineira, só faltando a musiquinha de fundo ...oidiotadogarotovaimorreraimeudesesse babacavaimorrerpáraalguém...não precisei nem acenar ou parar carro nenhum, uma viatura da polícia já vinha atrás do fulano - na verdade, nem era garoto, um galalau de 30 anos , filhinho de papai que tinha roubado a bicileta pra poder cheirar o resultado.
Sobreviveu e nunca mais ouvi falar dele.

***** Post publicado originalmente em 23/09/06

17 junho 2008

Ensaio Sobre a Preguiça


Faz mais de vinte anos, eu tinha dezesseis anos e trabalhava em uma empresa que funcionava 24 h por dia. Literalmente. Meu turno era das seis ao meio dia, tinha conseguido essa pseudo-promoção aprendendo a digitar na hora do almoço: passei então a trabalhar como digitadora e em turnos de seis horas.

Nosso grupo era formado por meia dúzia de pessoas, o mais velho, o meu "chefe" - eles adoravam distribuir carguinhos porcaria pra ver se conseguiam controlar a turba assassina de funcionários - deveria ter pouco mais de vinte anos.

Os outros funcionários chegavam às oito: tínhamos , então, duas horas sem vigilância.

Começamos comprando coisa na padaria e fazendo um café da manhã coletivo. Mas isso começou a ficar cada dia mais longo, cada dia, enrolávamos mais.

A estratégia era a seguinte: ligávamos os pcs e ficávamos vagabundeando, até quase oito horas.

A nossa média de produtividade caia a cada dia, e "ninguém" sabia o motivo....

Digitadores tão rápidos perdendo produtividade...um mistério.

O mistério foi descoberto um dia. Estávamos na recepção: todo mundo deitado pelos sofás, eu , sem sapatos, com a cabeça no colo do meu "chefe", que mexia no meu cabelo ( ô, delicia) e ainda cantava pra mim. Tempinho bom....

A porta fez um barulho, não dava tempo de correr, apesar de alguns terem tentado: um dos donos havia chegado.Foi aquela situação constrangedora em que ninguém sabe o que dizer.

Quem tentou correr, foi pego no meio, tipo desenho animado. Levantamos vermelhos, sem dar nem desculpa. Eu calcei meus tênis - porque nessa outra vida eu usada tênis e não pintava as unhas, era uma outra Eu - subi para trabalhar, morrendo de vergonha.

Subimos meio rindo, meio assustados. Nunca ninguém falou disso, mas nunca mais tomamos nosso super café da manhã de duas horas.



****** texto publicado originalmente em 19/03/07

21 maio 2008

O Vôo da Vaca








Eu tenho uma jovem amiga que adoro, trabalhamos juntas em uma escola, fizemos amizade em pouco tempo. Sempre gostei dela.
Há uns poucos anos, sentadas em um bar da cidade, ouvíamos seu namorado tocando. Jovem, bonito, músico...estava cercado por uma manada de mulheres enlouquecidas pra quem a noção do ridículo era um conceito pra lá de abstrato.Ela olhava, olhos vidrados, mão crispada e só tinha uma palavra pra todas elas:
- Vacas.
Eu ria, tentava relativizar, dizendo - o que era verdade - que eles tinham um relacionamento legal, que se gostavam, etc e tal.Não adiantava eu repetir que sempre haverá uma fulana sem noção pra atrapalhar,afinal, é a lei da selva.
Em dado momento, eu tentava apelar pra sua auto estima, pois ela era efetivamente não apenas mais bonita como, provavelmente, mais inteligente que aquele séquito patético.
Mas ela olhava pra turba e repetia.
- Vacas.
Tempos depois, trabalhando em lugares diferentes, nos encontramos e papeamos. Perguntei como ia o assédio sobre o namorado músico e ela me contou uma história, aliás, A história.
Em uma noite, irritada com aquilo tudo, ela bateu boca com o namorado.
Uma das donas das calcinhas em promoção tentou interferir, entrar na briga do casal.
Nem imagino como alguém pretente sair ileso entrando em uma briga de casal, mas a fulana foi lá, toda amiguinha.
Minha amiga, percebendo o nível do cinismo da amiguinha, sugeriu amigavelmente que ela " tirasse o traseiro gordo dali".
Ante a insistência da fulana, minha amiga, tomada por forças maiores, com as quais me identifico, JOGOU a criatura de onde eles estavam, sendo que a criatura se estabacou na calçada, poucos metros abaixo.
Eu juro pra vocês que eu sou uma boa pessoa, sério, juro mesmo. Mas que eu pagava pr ver essa vaca voando, ah, gente, pagava.


****Esse texto foi escrito para A., a autora do feito e foi publicado originalmente em 2007.
Algumas conversas com uma amiga muito querida sobre ciúmes e mulheres loucas me lembraram dessa história.