
Tio Neném era irmão de meu avô Belo: aquela história que já mencionei por aqui...dois irmãos paulistas e tropeiros, que levavam os bois do pai fazendeiro, casando com duas irmãs cariocas.O que causou uma certa peculiaridade, pois todos os primos tem absolutamente todos os parentes em comum,algo diferente e bacana: primos-irmãos.
Uma vez, quando eu tinha uns seis ou sete anos, sentada no seu colo para ouvir histórias da antiga fazenda - a Dourada - percebi uma coisa engraçada:
- tio...
- fala.
- você está careca...tem uma carequinha aqui....
- ah, mas ninguém sabe...- rindo - como você foi descobrir? Olha, você penteia meu cabelo e esconde essa careca, tá?
Super feliz, acreditei que só eu sabia que ele era careca. Quando o via, corria pra pentear seus cabelos, esticando alguns fios e tampando aquilo que apelidamos de "minha descoberta".
E eu adorava vê-lo, adorava as histórias de quando ele fugia das aulas pra nadar no rio, gostava das traquinagens, gostava de um mundo de menino de fazenda com lendas e bichos.
E ele tinha a mesma verve que meu avô: as histórias tinham efeitos especiais, silêncios, sons, barulhos de vento e rugido de onças, me deixando hipnotizada.
Uma vez, em sua chácara, me encantei com um porquinho. Isso, um porquinho, filho de porca...Quem pensou em uma coisinha como porquinho-da- índia errou, era um pequeno leitão.Oinc.
Ele me deixou levar o porquinho para casa - ou melhor, para o apartamento onde eu morava - com a promessa de trazê-lo quando estivesse maior.
"Chiquinho" andava com roupinhas de boneca, capinha, pagão e outras coisas que minha avó costurava pra mim. Tomava leite de chuquinha, corria e fazia um barulho enorme ao escutar o barulho da tal chuquinha batendo no chão. Umas batidinhas eram suficiente pra ver aquele porquinho, de capa vermelha, correndo pela sala.Oinc,oinc.
Morreu pequeno e chorei horrores, mas tio Neném me consolou, com aquele jeito de quem nasceu pra ser avô.
***Texto publicado originalmente em 2007.