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13 outubro 2010

Tropa de Elite II - A jornada do capitão Nascimento


Fui assistir Tropa de Elite II com Daniel nesse feriado. Adorei.
No começo,o discurso de extrema direita do capitão - ou melhor, coronel - Nascimento, interpretado de forma genial pelo insuperável Wagner Moura, me arrepiou. Caraca. Pensei: mas que porcaria, vou ter que ouvir mesmo isso? Vou ter que ver meus alunos desenhando a caveira como belos inocentes úteis? Vou ouvir todos os reaças dessa cidade elogiarem essa fala?
Wagner Moura é um cara que existe, sua maneira de criar o personagem é dotada de uma intensidade rara e assustadora. Seu carisma natural é transferido para o persongaem, o que também é um problema.
Mas creio que esse inicio seja fundamental para o desenrolar do filme, pois ao perceber que seu inimigo é outro, Nascimento vai caminhando em convergência ao seu duplo/oposto/perfeito: o personagem Fraga, defensor dos direitos humanos, deputado e ...segundo marido da ex do capitão. Assim,os dois opostos vão se alinhando ao descobrirem inimigos em comum.
Fraga é apresentado ao público em uma aula - que eu gostei,aliás - e ganha território ao negociar com presos rebelados. Ele aé chamado para negociar com os presos e segue rapidamente, em um helicóptero. Para desgosto do BOPE, Fraga se nega a entrar com colete, dando legitimidade e força ao personagem, que dialoga firmemente com os revoltosos.
Para não furar o filme com spolier, me limito a dizer que há uma incrivel transformação no personagem central, que atinge seu ápice no final.( Não conto, oras, assistam.) Além disso, a certeira e caricatural crítica ao politicos presos ao poder da Mídia, à corrupção policial e às milicias trazem angústia ao espectador: como conviver com essa lama toda? É algo pra se pensar. E pra se discutir.
Outro ponto interessante é a apresentação da midia ralé, do jornalismo marrom de último nível, algo que se vê com frequencia nas tvs e que, infelizmente, tem público garantido. Ao ouvir as risadas da plateia diante de um ator que apresentava um desses programas de sensacionalismo barato, me perguntava se riam dele ou com ele.E quer saber? Acho que era com ele mesmo. Triste isso.
Algo que me perturba muito é a associação que parte da molecada faz entre o Bope, a ausência de corrupção e a tortura. Os policiais desse batalhão, aparentemente contrários às maracutaias tão comuns dentro das outras corpirações, não titubeiam em usar qualquer tipo de tortura e/ou assassinatos. Assim, para um espectador desavisado, vai tudo no mesmo pacote, e a porrada e os assassinatos seriam legítimos.
Vale a pena ficar atento para o discurso do protagonista no final. Vale a pena atentar para isso.
Qualquer outro que assista e que tenha o menos senso crítico vai compreender.Longe de fazer a apologia das estratégias do Bope, o filme à lá Senhor da Guerra, aponta outras esferas e infinitas possibilidades de violência e exploração.
O Alex Castro diz que falar que algo é um "soco no estômago" não é elogio. Mas esse filme é isso: um forte, incômodo e doloroso soco no estômago.

05 outubro 2010

'"Tropa de Elite, osso duro de roer" - post sobre o primeiro filme







A primeira pessoa que vi falando do Tropa de Elite, foi a Andréa .Eu nem sabia o que era BOPE.De lá pra cá, fugi dos textos que falavam do filme, para tentar assistir com menos bagagem,com mais abertura para minha propria análise.De cara havia a questao, ser ou não fascista , não dava pra não pensar nisso.Porque apesar de não ler as análises, alguns dos temas das discussões sobre o filme sempre acaham chegando, só dá pra fugir totalmente, indo pra Marte. ( Ou preenchendo diários de classe, claro).
Não achei fascista, não achei que faz a apologia ao Bope. Mas abre o flanco para essa interpretação, afinal, mostra o ponto de vista do Nascimento e isso, muitas vezes, acaba desenvolvendo uma cumplicidade entre espectador e filme.
Então, para um expectador mais afeito a porrada e que tem simpatia por "justiceiros", parece ser uma apologia.
Por mais que seja óbvio - e é obvio - é importante falar sobre a questão plástica do filme e no seu tempo: o ritmo dele é instigante demais,ele é visualmente interessante e os atores são um show à parte. Se eu disser mais uma vez que adoro Magner Moura, vou acabar ficando ridícula.Mas eu não temo o ridículo quando ele é bem intencionado e assim, repito: o cara é simplesmente um dos melhores atores que já vi.
Gosto de filme com narrador, gosto dessa coisa que acaba sendo uma forma de modelar meu olhar, direcionar. Nesse caso, o narrador era um personagem que eu sentiria aversão logo de cara. E senti mesmo.
Pra mim não adianta mostrar o lado "papai em crise", "marido com apartamentinho ferrado" para eu simpatizar: a História prova que homens terriveis no trato social podiam ser adoráveis em casa. O filme "A Queda - as últimas horas de Hitler", apresenta o fuhrer sendo carinhoso com o cachorro, entre um surto e outro, por exemplo.
Ao msotrar o cotidiano, o personagem deixa de ser apenas o Outro e o vilão por exelência,como ficou reduzido o Baiano ( em apenas uma cena ele é visto com a mulher e filho),passa ser um cara comum. E os caras comuns não são monstros, são?
Ah, gente, são.
E a HIstória prova.Mas para algumas pessoas, pode parecer que não.Esse é um dos pontos que abrem o flanco para a interpretação "pró bope", creio.
Impossível não ver como a autoridade, ou melhor, como o grande prazer no abuso da autoridade e da violência estão impressos no Capitão Nascimento.
Em busca de valores éticos louváveis - como a repulsa a corrupção e a convivência pacifica entre policiais e traficantes - Capitao Nascimento se advoga o direito de "trazer a doze".Assim, ainda que sob um objetivo correto, Nascimento cede/entra/mergulha na lei da selva.
Se alguém me disser que os traficantes fazem o mesmo, vou ficar irritada.Porque se a lei for usar as memas estratégias e regras da marginalidade, voltamos a barbárie. Aliás, é exatamente isso que vivemos, o que é deprimente.
Me apavoro em pensar que vivo em um mundo onde um ou outro "capitao nascimento" decide quem vive e quem morre. Policial e padre, pra mim, só à distância.
E muita distância.
Obviamente sei que o cotidiano deles é estressante e coisa e tal, não creio que seja possível não surtar eventualmente ,ou tomar bola, como o Nascimento.Mas isso não significa que direi que apoio. Tenho repulsa por justiceiros e afins, tanto quanto qualquer outro tipo de violência.
No conto "A Coleira do Cão", Rubem Fonseca demontra, de forma absolutamente genial, como um policial acaba se envolvendo, se deixando seduzir pela possibilidade de usar qualquer método, de estar além da lei e mais do que isso, de efetivamente se sentir envolvido pelo poder da violência: de ser pego pela "coleira do cão".
Nesse conto,filmado pela Globo com o excelente Murilo Benício, um delegado honesto tenta trabalhar dentro de uma esfera de lagalidade, até perceber que todos na delegacia - menos ele, como descobriu - estavam atravancados com uma rede de corrupção e abuso de poder.
Até que ele mesmo se sente seduzido, tomado, pela chamada coleira do cão, onde o poder, associado a uma fálica arma o transforma.
Inevitável pensar no prazer que proporciona aqueles policiais a chegada, o terror, o tal tapa na cara. Um amigo de infância, hoje policial no Rio , diz pra quem quiser ouvir que "dar tapa na cara é bom pra caramba".
O persongaem Neto, notadamente perturbado,com a cena hiper "Taxi driver" ,que seria o escolhido ( doido por doido...)para substituir o líder do BOPE é morto. Sua morte é vingada pelos companheiros. Sim, vingada, ou seja, um conceito fora da legalidade, onde o policial se torna também juiz e carrasco.
A responsabilidade dada ao coletivo, sintetizada na crítica ao uso do baseado dos universitários é e não é interessante. Em um primeiro momento, com minha patológica aversão ao Estado, penso que o coletivo pode e deve exercer seu poder: usar drogas cria a marginalidade? Em parte, sim.
Mas a questão principal é: usar drogas, pura e simplesmente, cria a marginalsidade?
Não.
Eu sei que vcs vão dizer que estou usando um grande clichê, mas por incrível que pareça, para alguns espectadores do filme , ainda há que se apontar: as condições sócio econômicas criam a marginalidade, em alguns casos, fica impossível fugir dela.
O fato de haver usuários de drogas não tornou eu ou você que está lendo, traficantes. Mas se nossas condições fossem outras, poderia ter tornado.
Eu confesso que me incomodei um pouco com a visão tortuosa que foi transmitida acerca dos universitários. Concordo em parte, mas como toda generalização é burra, creio que apresentar absolutamente todos os estudantes como "garotos-danoninho-esquerda-festiva" é exagero.E aquela aula que reduziu Foucault a papo de botequim com secundaristas foi o fim da picada. Ali era só pegar um professor para dar assessoria, porque um bom professor torna palatável textos densos. E se evitaria aquela cena - insólita - da aula.
Arnaldo Jabor inexplicavelmente acredita que tem a capacidader de traduzir o inconsciente coletivo, desta forma, diz que não foi o olhar sádico que teve peso sobre o público, mas a forma que o público se sentiu "vingado".Acho pertinente sua interpretação, mas acho tolo acreditar que uma chave explicativa dá conta da leitura do público.Aliás, ele disse isso baseado em quê? Achologia é terrível.
Fiquei pensando sobre as estratégias de treinamento do BOPE, em grande parte, parecidas com o treinamento espartano e também próximo ao que se vê expresso na pesquisa "Tortura Nunca Mais". Nesse caso, o policial tortura os amigos, passa por tortura. Depois disso, arrebentar com qualquer um fica fácil, principalmente se for o Outro, o inimigo, o diabo, ou sei lá como eles traduzem isso.
No momento da tortura, o cara confessa, mente, bota a mãe no meio, diz que assinou o livro do capeta com o sangue de bebês. Qualquer um que tenha lido Guinzburg ou outro historiador que pesquisou o Santo Ofício percebe isso.
Assim, acho que algum personagem que relativizasse um pouco esse olhar maniqueísta de Nascimento, que questionasse suas ações poderia contrabalaaçar um pouco a narrativa.Ainda que sob a ótica do BOPE, acho que tenderia a possibilitar uma interpretação mais aberta e múltipla.
Então, ainda que eu não acredite que o diretor tenha elaborado um filme para tecer loas a esses métodos policiais, me deparo com William Wach soltando essa piadinha-pérola, ao falar sobre corrupção da polícia.
"é..o capitão Nascimento não gostaria nada disso..."
Pois é, o capitão América também não.


*****post originalmente publicado em 2007.

Pretendo ver o Tropa de Elite II, então, vamos esquentando os tamborins.

14 julho 2010

Músicas que dão um treco

Eu não sei exatamente se adoro esse vídeo porque o Jair Rodrigues está lindo ou se é porque acho os festivais emocionantes ou se é porque ele vibra demais ...ou ainda porque quando ele canta "porque gado a gente marca, mas com gente é diferente" o povo simplesmente delira. Não sei.
Só sei que adoro rever.



09 abril 2010

O medo da teletela









Acho uma delícia revisitar os autores. Imagino o quanto do próprio leitor impregna a obra, a tal ponto de fazer a releitura, uma operação divertida e surpreendente.
Sempre me lembro que quando me divorciei, li A Peste - eu sei, eu sei, Camus foi escolha equivocada para o momento - e fiquei barbaramente impressionada com o livro. A idéia de estar acuado, limitado, impossibilitado de se deslocar, o medo presente, foram extremamente impactantes para mim.
Anos mais tarde, ainda que tenha gostado da mesma forma, não senti a asfixia da primeira leitura, pois minha localização, enquanto leitora, era outra.
Lembro perfeitamente do impacto que senti quando li 1984 pela primeira vez. Era adolescente e de lá pra cá, reli umas tantas vezes. Fiz isso por esses dias.
A ácida crítica de Orwell tem o poder de ser atual, ainda que a esquerda tenha se remodelado. Creio que todas as críticas gigantescas que ele faz, cabem em qualquer estrutura totalitarista, pois o controle é sempre sua base, mas é indiscutivelmente - infelizmente - que os socos atingem ao que muita gente - como eu, por exemplo - sonhou durante muito tempo.
Imagino que a esquerda só poderá ter uma nova face, que responda às necessidades comptemporâneas, se tiver a coragem de enfrentar discutir elementos como esse.
Discutir a ficção macabra que teve base em uma realidade não menos macabra, como foi o punho solene de Stálin.
Por mais que a direita me enoje - e me enoja totalmente - não posso mais deixar de ver o mundo sem as reformulações, sem a perestroika, sem a glasnot e sem...viva!..o Grande Irmão.
De certa forma, isso me deixa angustiada, me deixa com a síndrome de geração coca-cola, pois ao criticar e ter ojeriza ao capitalismo, não encontro esperança no que pensava ser o socialismo.
De mais a mais, conheço pessoas tão controladas, tão vigiadas, que vivem uma vida sem o mínimo de privacidade, em um arremedo assustador da ficção de Orwell.
O que prova, sem dúvida, que os controladores se mordem de medo de perder seus controlados....e isso seria tão, tão interessante.


***publicado originalmente em 2008.

20 dezembro 2009

A cultura da ironia ou Sou Bom demais pra ser educado

























Na semana passada acompanhei uma amiga advogada em uma audiência trabalhista. Já pedi para ver outras, porque aquilo que achei punk, ela me disse ser absolutamente light, então, quero ver até onde vai o troço.
O caso é simples: o processo estava sendo finalizado e só um ponto devia ficar claro para o juiz, se o demandante tinha ou não vínculo empregatício com o demandado.
Assim, a tal audiência foi rápida, mas houve tempo suficiente para a juíza dar meia dúzia de petelecos verbais nos advogados. E nem houve predileção: levaram ambos.
O ponto a que quero chegar é absolutamente simples, uma dúvida prosaica: por que algumas pessoas, investidas de poder, acreditam que sua atitude tem mais peso, mais credibilidade se vier acrescida de uma patada?
Porque, vamos combinar, tudo que a juíza falou, poderia ser dito de forma polida. Por algum raciocínio tortuoso, vejo que algumas situações são culturalmente associadas a tiradas irônicas, ou melhor, usando meu passado caxiense: são situações que vem com um belo coice.
Em todas as defesas de tese que vi, isso se repetiu. Os professores que arguiam o candidato pareciam acreditar que suas observações deveriam vir embaladas em ironias escrotas. E o candidato lá, com cara de nada, respondendo a tudo como se não estivesse com o fígado em petição de miséria.
Se a mesma observação poderia ser feita sem aquele teatro arrogante, por que fazê-lo?
E esse tipo de atitude acaba naturalizada, a ponto do jovem juiz repetir essa atitude pouco tempo depois de empossado, a ponto do jovem professor se chacoalhar todo entre sorrisinhos debochados para demonstrar como seu interlocutor é tolo.
Ai, gente, esses egos supersônicos me cansam.

29 novembro 2009

Manoel Carlos e a pedagogia da porrada


Semestre passado eu estava com aulas todas as noites, quando via a novela era em um ou outro sábado e ficava mais perdida que cego em tiroteio.

Agora estou com algumas noites livres e estou assistindo. Mas ainda não estou entendendo muitas coisas, talvez vocês possam me ajudar.

A principal delas é por que não existe um movimento grande contra a propaganda "pró porrada" que ele faz sistematicamente. E deveria ter, deveria ter.

A pancada parece ser educativa para o autor...me lembro de ter visto o pai da fulana que maltratava os avós apanhando, em outra coisa maravilhosa que ele escreveu. Assim, pai banana se redime e espanca a filha. Educa. Que beleza.

Nessa novela isso se repete.

Entendo que alguém irritado tente sair na mão com outro, é compreensível e é real.

Mas o que me deixa passada é ver que isso é colocado de forma educacional.

Exemplo: a sem noção da garota-que -não -me -lembro - o-nome continuava dando em cima do sacanão- que- trai -a- mulher- professora de teatro, personagem escondidinho. A tal garota bate boca com a cornélia e toma uns tapas, compreensível, porque ninguém gosta de ser corna.

Mas aí entra a pedagogia da porrada....a mãe da garota - Alguém sabe o nome do personagem da Ana Botafogo?? - coloca a filha em uma sala e solta a seguinte pérola:

- ninguém vai te bater, porque quem tem que te bater sou eu....

E soca pancada na sem-noção.

Essa foi uma das inúmeras cenas onde a pancada parece ter um valor educativo, pedagógico.

Ainda uma vez digo que não tenho leitura teórica sobre comunicação de massa, mas me interesso sobre o tema. Aí fica a hipótese: a trivialização, a banalização da violência doméstica já é um mal em si. Mas a demonstração disso como algo não só admissível, como recomendável, é asqueroso. E sério, e muito sério.

Ah, Manoel Carlos, você e seu Leblon idílico estão mesmo na contramão da história.




***** texto originalmente publicado em março de 2007.



******2009*******


Manoel Carlos do Leblon continua aquele. Em sua nova novela, Viver a Viva, a sua didática porrada insiste em continuar a ser uma estratégia para se controlar a filha agressiva. Porque é sempre filha, aliás. Outro ponto a ser observado. Nesse caso, uma surra de cinto dada pela personagem Tereza em sua filha Isabel, a pentelha.
Por hora, vamos apenas localizar o seguinte: em três novelas relativamente próximas, em um instrumento de comunicação de massa e em horário nobre, o teledramaturgo exibe cenas de espancamento.
Seria interessante haver uma discussão apropriada que comparasse a real inserção de campanhas anti-agressão fisica em contraponto a cenas de óbvia exaltação da mesma, dentro de obras de ficção.
Não se trata de negar a violência, mas se trata de discutir como esta aparece dentro do contexto da comunicação de massa. E se trata de perceber o estrago que cenas ridículas como essa podem fazer.

03 agosto 2009

Sobre a ditadura das crianças




Andei pensando sobre crianças nesses dias. Mais precisamente, sobre o autoritarismo infantil.
Não é difícil perceber porque regimes totalitários utilizaram crianças e adolescentes a seu favor: nesse período da vida, longe da relativização da maturidade, é muito fácil ser profundamente maniqueísta. Tudo parece ser certo ou errado; branco ou preto. Crescer envolve perceber - nas palavras de uma amiga - que existe uma grande "variedade de cinzas entre o branco e o preto".
Mas os pequenos ditadores não percebem isso, e o que é pior, tem uma concepção equivocada do mundo como um grande mercado onde as pratelereiras estão repletas de opções para eles mesmos, eles se imaginam o centro, o motivo da existência da humanidade, que parece sempre dever algo aos pequenos reis.
O resultado me assusta.
Não tenho uma interpretação ingênua e romântica de um modelo antigo de família, um modelo que a história mostra que nunca existiu. Não olho o passado remoendo: oh, como tudo era tão bom...não, não penso assim.
Acredito que muitas das relações passadas eram calcadas em um modelo repressivo, onde as crianças e adolescentes não tinham voz.
No sentido de dar voz às crianças, os adultos ( pais, avós, tios, etc), se esforçaram para oferecer uma nova forma de estabelecer relações.
Mas parece que o tiro saiu pela culatra.
Acostumados a receber e receber, dotados de uma visão simplista de mundo dividido entre bem X mal, imbuídos da concepção de que o mundo feito para eles, os adolescentes, dedo em riste, exigem, julgam, insultam e magoam. Sempre atolados em uma perversa idéia de que foram ludibriados(!), que os adultos estão em débito.
Vale a pena lembrar que os criadores dos pequenos nazistas foram seus pais. Ao rechear aquelas jovens almas com ódio, passaram, tempos depois, a ser objeto desse próprio ódio.
O jovem ditador crê que nada deve a ninguém: ele é sempre aquele que recebe. O pequeno ditador, dedo em riste, não parece capaz de ver o que recebeu, porque está muito ocupado cultivando suas cobranças initerruptas e egocêntricas.
Nunca acredita que o que recebe possa ser suficiente. Ele exige, ele insulta. Por algum motivo, ele se julga nesse direito.
Temo pela sociedade que virá, com esses pequenos déspotas egoístas.
Como no vídeo abaixo, creio firmemente, que se nada for feito, se não combatermos esse egocentrismo perverso, o que nos restará será limpar o traseiro desses jovens imperadores sem autonomia.




@@@@@ Post originalmente publicado em maio de 2008, em "homenagem" a todas as crianças ranhetas, manhosas, autoritárias, interesseiras, grosseiras e os malucos que criam esses seres.

16 maio 2009

Lugar de Mãe?









Nos primeiros meses desse blog, li em um comentário em outro blog, uma frase que me deixou bastante incomodada. O blogueiro, à guisa de defender o exercício da maternidade, dizia que as mulheres deveriam ser pagas para exercerem esse papel.
Eu publiquei esse post, que vai aqui com algumas observações, sem os muitos comentários da época e sem o nome do blogueiro, porque o que já tinha que ser dito para ele já foi e ficaria até esquisito requentar isso agora.
O caso é que esse deve ter sido um dos maiores posts que escrevi, fiquei ali balablazando sem parar e decidi republicar por conta do livro de Maria Mariana, tão (bem) criticado em vários blogs e no twitter.
Assim, por conta desse papo, republico. Então a mulher "teria" que receber salário para ser mãe...


"Bom, só o fato de ter usado o verbo "ter", já acho que o texto tem problemas.
Denota um autoritarismo retrógrado e calcado na interpretação patriarcal burguesa.
Até creio que se a frase tivesse sido escrita com "poderia" no lugar do "tinha", teria ficado até interessante. Porém a obrigatoriedade, a restrição social que essa condição imporia - sendo mãe, seria apenas...mãe - é um retorno a idealização social da Belle Epoque, equivocadíssima.
Ser remunerada para cuidar dos filhos me parece interessante. Mas ou eu li errado, ou o argumento não se sustenta.
Remunerada por quem? Pelo Estado? Pela Iniciativa privada? Pelo marido?
Pelo Estado me parece uma ótima forma de haver distorções ímpares, dado que o tal "instinto materno" é historicamente construído - e essa concepção de que é inerente a todas as mulheres é tão bem descontruído por Elizabeth Badinter - acho que iriam aparecer muitas distorções desse suposto direito .
Pela iniciativa privada? hum...já até posso ver o controle, os gráficos e as feiras para a otimização da maternidade. Não, obrigada, já estou amarrada com a iniciativa privada, eu passo.
Pelo marido ou namorado? Essa me parece a mais curiosa. Seria algo interessante de ver como se dariam as relações familiares, dado que a mãe seria uma funcionária.
Se as relações de poder já são complexas e opressoras, creio que receber salário do marido, pra cuidar do filho, seria uma forma oficial de sujeição e de um novo exercício de "luta de classes".
Algumas pessoas parecem achar que a dedicação da mulher a sua carreira e a consequente diminuição das horas dentro de casa, seria a causa do aumento de violência e falta de valores morais.
Bom.
Sem dúvida acredito que a sociedade precisa se estruturar de uma forma a contemplar as crianças que não tem uma infra estrutura adequada. Mas vários e difíceis problemas podem acontecer com a mãe fazendo bolo na cozinha, por exemplo.
Não posso deixar de pensar que se observa um passado hipotético onde as familias seriam "de outra forma". Um passado familiar fantasioso, idílico e irreal.
Como historiadora pergunto: Quando exatamente?
Phellipe Ariès escreve sobre a familia e a criança, comprovando que a concepção do que é ser criança e ou adolescente é muito, muito recente. Historiadoras como Michelle Perrot, Martha Esteves e Rachel Soihet desconstroem o mito da mulher idealizada, comprovando através de pesquisas cuidadosas que a ação feminina foi múltipla e, muitas vezes, completamente avessa ao idealizado pelo Positivismo.
Onde era tão melhor para as crianças?
Na antiquidade, onde uma criança poderia ser abandonada pra morrer?
Entre os astecas que costumavam aplicar rigorosos castigos físicos?
Na idade média onde em algumas regiões européias as crianças ficavam sem nome até quase sete anos, em função da enorme mortalidade( morria mais um...o menorzinho, aquele ali), ou talvez em grande parte da idade moderna, onde mas mães não amamentavam os bebês, nem os criavam, caso fossem ricas. Eram criados em casas separadas, ou por amas e babás e apareciam em algum momento do dia, para serem admirados como bonequinhos. Não havia essa familia celular burguesa, não existia sequer essa concepção e afirmar isso é grotescamente anacrônico.
Talvez quem se refira a esse "passado da familia" pense na tradicional familia patriarcal burguesa, que historicamente, é muito, muito nova.
Uma estrutura calcada em um modelo positivista comteando, que pensava na familia como célula mater.
Bom, estamos aqui com o resultado dessa interpretação de mundo. E o que temos é isso, violência, aquecimento global e guerras.
Tudo isso não foi gestado em uma ou duas geração, foi gestado em várias, foi gestado quando o modelo vingente era a familia positivista.
E ainda que se fale deste modelo: essa ideia de mãe acompanhando tarefa escolar e ou participando mais ativamente da vida dos filhos é recente. Mesmo dentro da idealização positivista, o cotidiano das familias - com todas as diferenças intrínsecas a cada classe - não incluia essa interlocução entre pais e filhos. Era um modelo autoritário, muitas vezes hipócrita.
A ideia de pais e filhos fazendo tarefa de casas juntos, jogando ou se entretendo juntos é uma concepção completamente inexistente até boa parte do século XX.
O universo conceitual e espacial da criança era outro.
Eu não consigo visualizar essa lendária época onde as familias eram perfeitas. Essa Atlântida é irreal. É um saudosismo à la viúva Porcina, a que foi sem nunca ter sido.
"Valores morais".
Eu tenho um certo receio dessa expressão. Fico me perguntando se podemos discutir a diferenca conceitual entre ética e moral, mas acho que aí afundamos até as orelhas na hermenêutica e não é esse o objetivo.
Então, vamos pensar em supostos valores.
Patriotismo seria um valor moral, mas um elemento tão belicoso que pode ser apontado como um dos piores males do mundo.
(Certíssimos os anarquistas ao clamarem : "minha pátria são meus sapatos".)
Que outros tipos de valores?
Ética, por exemplo?
Em que momento histórico isso foi um elemento realmente de peso? Me apontem.
Correndo o risco de ser redundante, afirmo, é ingênuo se pensar que vivemos em um momento com menos ética. Vivemos em um momento de grave crise social, sem dúvida, mas calcado em diversos outros problemas.
Esses diversos problemas levam a uma inversão de valores (o traficante passa ser herói, etc), mas essa é uma questão macro e pouco tem a ver com a mãe em casa, fazendo bolo.
Mas se uma retrospectiva histórica seria for feita, vamos ver a história sendo marcada por filhos destronando pais na base da faca, mães abandonando filhos, guerras em nome de deus e deuses, gente morta por dever pra bancos e outras distorções. Fiquemos tranquilos, a barbárie nao é novidade.
Não nego a importãncia da presença materna ou paterna. Só gostaria de atentar para o cuidado de não se deixar levar por uma idealização romantizada de um passado inexistente, cuidado pra não se colocar sobre as costas da mãe as causas de todos os males e equívocos.
E mais, discordo diametralmente da visão que restringe a mulher a ser mãe.
Ainda que ser mãe seja efetivamente o que considero o mais importante, é um dos meus papéis e jamais admitiria que alguém não me permitisse exercer todos os outros.

04 agosto 2008

Deus é poliglota







Já comentei aqui com vocês que sempre tive uma relação tranquila com minha fé, nunca entrei em elocubrações teóricas, nunca filosofei, nunca questionei. Por um simples e prosaico motivo: eu gosto de ter fé. Ponto.
Confesso que também tenho pouquíssima paciência com quem acaba por questionar, porque vamos e venhamos, quem leu um ou dois livros de Nietzsche, umas beiradas de Marx e vem pagar de intelectual, hum, não, não, nem escuto. Meneio a cabeça com um sorriso paralizado, pensando como posso correr dali.
Claro que inúmeras pessoas questionam, de forma sistemática e profunda, a existência de Deus. O bacana é que, em minha experiência, quanto mais intelectualizado, mais tolerante é o indivíduo e menos propenso a vomitar regras e dogmas.
E eu continuo com minha prática: topo discutir religião, claro, que é a relação humana com qualquer concepção de divindade, mas não topo discutir a existência de uma divindade.
Porque acho idiota, gente. Acho totalmente impossível de provar cientificamente.
Impossível, totalmente impossível.
E tô pouco me lixando, porque de positivista, não tenho nada, nada mesmo.
Afinal, ainda que a importância da Ciência seja inquestionável, atribuir a ela um suposto poder absoluto é um tremendo equívoco. Afimar, meramente, que algo é ou não "científico" não termina uma discussão.
Porque as teorias de Lombroso eram aceitas como científicas e inquestionáveis, teorias racistas que chegaram a subsidiar o nazismo, por exemplo. As estratégias de normatização social que procuravam exterminar com toda "degenerescência"- nem que para isso, os asilos ficassem abarrotados de pessoas que fugiam aos padrões sociais vingentes - tudo isso era assinalado como científico. Atitudes autoritárias com essas e outras, provocaram rebeliões populares como a Revolta da Vacina.
O fato é que o autoritarismo que reside em berrar verdades absolutas é tão tacanho em um cientista quanto em um religioso.
Nós da História já abandonamos o conceito de verdade absoluta há tempos, se alguém quiser ficar com ele, beleza.
Desde o ano passado, estou indo em uma igreja Presbiteriana. Gente, adoro. Fui com uma amiga da Unicamp e foi amor à primeira vista. Gostei da comunidade, gostei da profundidade das reflexões do pastor, gostei da tolerância.
Apesar de, enquanto professora, saber da tradição cultural dos protestantes históricos, a imagem dos pentecostais estava muito forte em minha mente.
O que é um grave erro conceitual, certo? Confundir os Históricos com os Pentecostais, enfiar tudo na mesma gamela.
Mas a imagem dos pentecostais está impressa na mídia, com o eterno trinômio: terno barato + leitura canhestra da Bíblia + voz rouca aos berros.
Nessa igreja que frequento, presbiteriana, fui conhecer pastores cultos, que foram professores, conversando sobre seu doutorado e utilizando a literatura como interface nas pregações.
E, é claro, a tolerância.
Vocês sabem, tolerância, relativização dos conceitos, isso é condição sine qua non para que eu efetivamente participe de algo.
A despeito de um querido amigo blogueiro que tirou um sarro camarada dessa minha nova tendência, acho que realmente achei um canto pra mim.
Agradeço a outro amigo, o Bruno, por ter me levado em uma maneiríssima festa de candomblé, agradeço a Cláudia por me explicar as minúcias do catolicismo, aos amigos de outras orientações, aos amigos budistas, aos espíritas e é claro, as amigas bruxas, né, Tati?
Todo mundo me explicou um pouco, me ensinou um pouco e eu gostei de todos.
Um amigo me contou que João XXIII disse, em relação a multiplicidade de religiões:
" o que nos une é maior do que o que nos separa." Escolhi outro caminho não por ser o melhor, muito menos o único. Escolhi porque foi a língua que preferi falar.
Mas tenho certeza que seria feliz em qualquer outra, porque estou convencida de que Deus é poliglota.

04 abril 2007

os acéfalos de Jim Jones


Outro dia eu conversava com uma amiga sobre notícias e filmes que marcaram a nossa infância e início da adolescência. Lembramos, entre gargalhadas, do Homem Cobra, um filme pra lá de trash que aterrorizou uma geração. Lembramos do desastre de avião onde os sobreviventes comeram carne humana.

Mas eu estava me lembrando de Jim Jones e o massacre na Guiana. Me lembro de ler sobre o suicídio coletivo daquelas pessoas, dos seguidores do tal pastor, mentor, lunático de plantão.

Durante muito tempo, aquilo ficou na minha mente: as fotos na Manchete, a planta da fazenda, a descrição de homens , mulheres e crianças que se mataram propositalmente, para seguirem a opinião de Jim Jones.

Me assusto com os seguidores, com aqueles que preferem infiar qualquer coisa goela abaixo - ainda que seja veneno - apenas porque não podem, não querem ou não conseguem discordar.
E percebo como a questão de estar no grupo, estar na matilha, é nevrálgica. Temendo a exclusão, o indivídio se perde dentro do grupo e encontra nele, sua proteção e afago. Assustador.

E penso, sempre, como discordar, como não seguir a matilha, pode ser libertador.Pode garantir ser um indivíduo, certo ou errado, mas um indivídio que pensa por si mesmo. Sem a necessidade da aprovação, do afago infantil, do meneio de cabeça.Penso que discordar, se há necessidade disso, pode proteger seus princípios.
Pelo menos, pode impedir o veneno de agir.