Eu "vi", por esses dias, a escritora Vivina de Assis Viana, lá no Lord.
Me lembrei de tê-la visto falando, na Bienal Nestlé de Literatura Brasileira, o primeiro encontro que assisti, lá nos idos 80, com 16 anos.
Nunca vou esquecer, era tudo tão intenso, tanta gente, tantos livros, eu me perdia na empolgação. Lembro de ter visto Vivina, uma das coisas que ela disse foi que alguém ( leitor? crítico?) notou que sempre nos seus livros, o personagem-pai estava lendo. Eu achei essa imagem tão interessante, e mais interessante ainda, surgida do seu inconsciente : notada pelo Outro.
Lembro que alguém da platéia mandou um recado mal educado, dizendo que "nem todo pai lia e balablablabalbalba". Sempre tem um burro de plantão.
Lembro de ouvir o Eric Neponucemo, profundamente espirituoso, lembro de tentar ver Orígenes Lessa, que estava doente e não foi. Achei o Antunes Filho meio histriônico, mas a fala foi brilhante.
Lembro da Ruth Rocha com uma fala divertida, atrasada e com um casaco exótico. Lembro de ter conversado muito com uma estudante de História da Usp, mal sabendo que eu mesma seria uma estudante de História da Unicamp, poucos anos depois.
Ela estava toda derretida pelo Ignácio de loyola Brandão, coisa que me chocou;
- que veeeeelho, fulana!!
Afinal, com 16 anos, qualquer um mal passado dos vinte já é um senhor idoso.
Mas me lembro com mais ardor de ter visto Maria Clara Machado, miúda, elétrica, em pé, falando e deliciando a todos.
Ela contava que , em uma das apresentações de Pluft, o fantasminha estava aflito porque a mãe não dava atenção, ocupada no telefone com a prima Bolha. Maria Clara disse que uma menininha de uns sete anos, levantou, no meio da platéia e gritou:
- liga não , Pluft!!!!! minha mãe também é assim!!!!!!
A platéia veio abaixo.
Eu estava tão emocionada, tão maravilhada. Pra quem viveu enfiada nos livros, pra quem era uma nerdezinha crônica que brincava de imitar estilos de autores brasileiros descrevendo o caminho da escola, aquilo era o paraíso. Os escritores estavam lá, andando no meio dos seres humanos.Eu não sei, talvez pra mim, escritor fosse algo diferente de ser humano.
Eu tinha acabado de me mudar do Rio para Campinas, tinha ido pra São Paulo unicamente pra assistir a bienal. Era um novo mundo pra mim.De certa forma, foi um ritual de passagem.
E foi tão intenso, que lembro, ainda que vinte anos tenham se passado.
Vivian,
ResponderExcluirNem preciso dizer que as suas recordações me emocionaram. Os relatos, o jeito como você contou, tudo mostra a importância daqueles momentos. Essa coisa de ritual de passagem. Temos alguns poucos na vida. Quando para para pensar vejo que são mesmo raros. Infelizmente não pude acompanhar as bienais. Na época já trabalhava, estava em começo de carreira, não tinha a liberdade que tenho hoje. Muitos dos escritores citados conheci em casa, nos fins de semana, em jantares, conversas maravilhosas ouvidas respeitosamente distante, que me fazem muita falta hoje. A Vivina, sempre, a Ruth Rocha, Lygia, Loyola, Raduan, Zé Paulo Paes, Osman Lins, Aurélio Buarque de Holanda, Orígenes Lessa, Julieta de Godoi Ladeira, os irmão Hernani Donato e Marcos Rey, Fábio Lucas, Paulo Bonfim, tanta gente querida... Aproveito para homenageá-los.
Beijão
Lord, a vida é engraçada mesmo.Realmente foi um ritual de passagem, como eu disse.Engraçado como me lembro bem disso e acho bacana poder dividir isso aqui na minha Casa.;0)
ResponderExcluirGosto tanto destas tuas descrições. Consegu acompanahr e me deu uma vontade imensa de ter tido a mesma oportunidade.
ResponderExcluirSó quem escreve sabe o que é o contato direto com um escritor que vc admira. Tive a sorte de conhecer alguns. É uma experiência fantástica! Belo post.
ResponderExcluirbjs e ótimo findi
Tati, querida, como gosto de contar meus "causos" por aqui...
ResponderExcluirTenho certeza que vc gostaria de ter ido, essa cena com a Maria Clara Machado eu conto até hoje pros meus alunos e eles adoram.;0)
Julio, de certa forma, isso acontece comigo na blogosfera. Por isso comento tagarelamente por ai.;0)
ResponderExcluirVivien,
ResponderExcluirPor não conhecer a escritora, fiquei curiosa e fui pesquisar:
Áticanet
Vivina de Assis Viana
"Gosto de escrever, mas, sobretudo, de ler. A leitura é a lição que mais ensina."
A escritora Vivina de Assis Viana é filha de pais fazendeiros e – ela ressalta – leitores. Nascida em Morro do Ferro (MG), publicou seu primeiro título, O dia de ver meu pai, em 1977, quando já morava em São Paulo. Ela acaba de ter seu conto "Com quem está o anel?" publicado em Já não somos mais crianças, volume 37 da série "Para Gostar de Ler". Foi para falar desse conto – que tem uma narrativa intensa, apesar de ocupar poucas páginas – e de sua trajetória literária e profissional que Vivina conversou com o Boletim Ática.
Boletim Ática: Qual a sua formação? Como você desenvolveu sua carreira profissional e literária?
Vivina de Assis Viana: Nasci em Morro do Ferro, em 1940. Meus pais ouviam rádio, assinavam jornais do Rio de Janeiro (Correio da Manhã e Jornal do Brasil) e revistas de procedências variadas (O Cruzeiro, A Cigarra e Alterosa), e compravam livros.
Fui alfabetizada na fazenda, por minha mãe. Aos 8 anos, troquei aquela liberdade sem-fim pelo internato, prisão que durou sete anos, em São João del Rey [MG]. De lá, fui para Juiz de Fora [MG], num outro internato: um curso científico de três anos.
Segui, então, para a Faculdade de Letras Neolatinas (PUC e UFMG), em Belo Horizonte. Após alguns anos de magistério, em 1968 vim para São Paulo.
Em 1989, depois de publicar alguns livros infantis e juvenis, e de espalhar alguns contos em antologias, aqui e no exterior (Polônia, Holanda e Japão), recebi o prêmio Jabuti de literatura juvenil, com O mundo é pra ser voado, pela Editora Scipione.
Além de me debruçar sobre meu próprio texto, tenho me debruçado sobre o texto alheio, em um trabalho paralelo e extremamente desafiador. Assim, na década de 80, participei, ao lado de Ricardo Ramos e José Paulo Paes, da coordenação da Bienal Nestlé de Literatura, que revelou talentos hoje consagrados, como Marçal Aquino.
Também realizo um trabalho de assessoria editorial, criando e/ou coordenando coleções, como a "Vínculos" e a "Passando a Limpo", da Editora Atual. Gosto de escrever, mas, sobretudo, de ler. A leitura é a lição que mais ensina. E aprender sempre vale.
Boletim Ática: Qual é a história de "Com quem está o anel?"?
Vivina: Escrevi esse conto em 1978 ou 1979, a pedido de Ricardo Ramos, organizador de uma antologia para a [empresa] Rhodia, que presentearia com a obra seus clientes, no final do ano.
A proposta era a seguinte: a partir das brincadeiras infantis tradicionais, doze autores criariam contos para adultos. Escolhi a brincadeira do anel, roda que roda o anel de mão em mão, olho no olho e na alma.
Boletim Ática: Na alma do texto deste conto há um amargor constante associado à personagem Eliana. O que ela representa?
Vivina: Quando escrevi esse texto, eu participava de um grupo de terapia enriquecedor, com pessoas realmente interessantes. Entre elas, duas inesquecíveis: o escritor Caio Fernando Abreu, que se foi antes da hora, e Eliana, pobre menina rica, aluna da USP, desquitada, irreverente, incompreendida pela família tradicional.
Como a técnica empregada pelo terapeuta era a do psicodrama, houve um dia em que Eliana, protagonista, evocou um almoço de domingo. Pai, mãe, irmãos, cunhados, filhos, sobrinhos, todos reunidos. Caio representou o irmão; fui uma das irmãs.
Naquele dia, e nos seguintes, aquela situação conflitante não me abandonava. Parecia que eu me tornara realmente irmã dela. E o Caio, meu amigo, virou irmão. Passados, talvez, alguns meses, houve uma noite – hora de escrever – em que aquele conto pedido pelo Ricardo tomou a forma daquela sessão, daquele grupo.
Boletim Ática: Deve-se entender sua ficção como um lembrete de que, em todos os períodos da vida, mesmo o da infância, supostamente mais leve e descompromissado, os conflitos afetivos são vigorosos e podem deixar marcas indeléveis?
Vivina: Sim, sem dúvida. É exatamente dessa maneira que penso, e é assim que leio esse conto. Os tempos da infância parecem, sim, mais leves e descompromissados. Só parecem. Na verdade, são tão densos e tensos como quaisquer outros, e a literatura não se cansa de registrar isso. Poucos livros, por exemplo, serão tão bonitos e tão tristes como Os Meninos da Rua Paulo, de Ferenc Molnár, obra cuja história é um grande mergulho na alma infantil.
Boletim Ática: Como observa as relações familiares em nossa época?
Vivina: Conflitantes, misteriosas. Desafiantes, milagrosas. Antagonismos que se atraem, que se completam? Quem sabe?
Boletim Ática: Você está envolvida em novos projetos?
Vivina: Durante nove anos, de 1990 a 1999, publiquei semanalmente uma crônica no Estado de Minas, jornal de Belo Horizonte. Sempre tive preguiça de relê-las, reescrevê-las e selecioná-las, apesar do desejo de publicá-las em livro.
O destino acabou me ajudando: há uns quatro anos, participando de uma oficina de criação literária, conheci um jovem corajoso, Christian Botelho Borges, que se dispôs a enfrentar o desafio: ler, catalogar, selecionar, separar, criticar, sugerir, digitar.
Minha preguiça, a duras penas, tem reagido. Torço para que continue reagindo, a penas menores. Torço ainda mais para que o projeto ganhe logo uma cara, se apresente em alguma editora e seja bem recebido, aceito, editado, distribuído, essas coisas. Esses caminhos que a gente pensa que conhece.
Data: 26/08/2005
http://www.atica.com.br/entrevistas/?e=18
Clélia, bacana.;0)
ResponderExcluirVi, e tao gostosa despertar e ler um texto assim...descreves ta o bem as situaçoes vividas...com seniment...saudades que muitas vezes sinto estar vivendo este momento.
ResponderExcluirbeijinhos carinosos do outro lado do oceano
O próximo texto é sobre nossa época na escola.Vai pro ar na segunda.;0)
ResponderExcluirBeijose saudades.
Vivien
histriônico!! What the hell that word means? Ups maybe I shouldn't write in english, and re learn portuguese... :(
ResponderExcluirVi, esqueci de te perguntar algo..Chegaste a ver as fotos de Santiago de Compostela e de La Coruña que postei?
ResponderExcluirBeijinhos carinhosos do outro lado do oceano
Fabio, pense em alguém exagerado, bem exagerado.'0)
ResponderExcluirAdriana, sempre vou no seu blog.;0)
ResponderExcluirA moça do sonho
ResponderExcluirEdu Lobo & Chico Buarque - 2001
Para o musical "Cambaio", de Adriana & João Falcão
Súbito me encantou
A moça em contraluz
Arrisquei perguntar: quem és?
Mas fraquejou a voz
Sem jeito eu lhe pegava as mãos
Como quem desatasse um nó
Soprei seu rosto sem pensar
E o rosto se desfez em pó
Por encanto voltou
Cantando a meia voz
Súbito perguntei: quem és?
Mas oscilou a luz
Fugia devagar de mim
E quando a segurei, gemeu
O seu vestido se partiu
E o rosto já não era o seu
Há de haver algum lugar
Um confuso casarão
Onde os sonhos serão reais
E a vida não
Por ali reinaria meu bem
Com seus risos, seus ais, sua tez
E uma cama onde à noite
Sonhasse comigo
Talvez
Um lugar deve existir
Uma espécie de bazar
Onde os sonhos extraviados
Vão parar
Entre escadas que fogem dos pés
E relógios que rodam pra trás
Se eu pudesse encontrar meu amor
Não voltava
Jamais
Gostei de várias coisas no seu texto, Vivien...
ResponderExcluir"Nunca vou esquecer, era tudo tão intenso, tanta gente, tantos livros, eu me perdia na empolgação. (...) alguém ( leitor? crítico?) notou que sempre nos seus livros, o personagem-pai estava lendo. Eu achei essa imagem tão interessante, e mais interessante ainda, surgida do seu inconsciente: notada pelo Outro. (...)"
"(...) Sempre tem um burro de plantão."
"(...) Eu estava tão emocionada, tão maravilhada. Pra quem viveu enfiada nos livros, (...), aquilo era o paraíso. Os escritores estavam lá, andando no meio dos seres humanos. Eu não sei, talvez pra mim, escritor fosse algo diferente de ser humano."
"(...) Era um novo mundo pra mim. De certa forma, foi um ritual de passagem."
"E foi tão intenso, que lembro, ainda que vinte anos tenham se passado."
Gosto muito do seu jeito de escrever, contar histórias...
bjo,
Clé
Clélia, gosto muito de ter vc como leitora, muito mesmo. Além do prazer de ler e escrever, encontrei o prazer de ser lida.;0)
ResponderExcluirE o prazer de fazer grandes amigos.beijos.
Ser lida já me causa receio, Vivien... (apesar de escrever ser prazeroso!)
ResponderExcluirClélia, isso daria um bom post.;0)
ResponderExcluirNo meu ou no seu blog? Eu te deixo o mote... pode escrever!
ResponderExcluirbjo
Vivien,
ResponderExcluirviva!
então você era uma daquelas pessoas pelas quais a gente se apaixonava, lá de cima do palco!!! Pois os sentimentos costumam ter mão dupla, sabemos.
A engrenagem que fazia a Bienal dar certo -e dava - era a ligação público-escritor, público-organizador. Rito de passagem pra você, de amadurecimento pra nós, quem sabe?
Seja como for, eu gostaria, aos 16 anos, de ter conhecido e-ou ouvido algum escritor. Nessa época, eu lia
Karl May, desesperadamente e a Alemanha ficava longe demais.
Mais tarde, época da revolução, faculdade, Belo Horizonte, houve uma noite em que vi-ouvi Ferreira Gullar. Naquela, e em muitas outras noites, perdi o sono.
Você tem um texto muito bom, dinâmico, rápido. É bom te ler.
Beijo,
Vivina.
PS. Demorei pra me pronunciar porque estive uns dias fora, sem internet. Coisas do interior mineiro.
Vivien,
ResponderExcluirposso enviar uma mensagem à Clélia, agradecer pela pesquisa, e garantir que ser lido traz felicidade?
Beijo da
Vivina.
PS. Qual é o blog da Clélia?
Vivina, fiquei muito feliz em ter vc como leitora, isso é uma honra pra mim.;0)
ResponderExcluirAquele foi um momento mágico sim, como disse no texto.
O blog da Clélia é o delicioso Achados & Guardados, está linkado aqui ao ládo : clique em "Clélia".
Um grande beijo.