Quando eu era criança, a gente frequentava muito dois sítios, o do meu padrinho, que vou falar em outro texto e o de um primo da minha mãe.
Esse último, para delírio da molecada, tinha um rio deliciosamente gelado com uma cachoeira irresistível. A gente passava o dia lá, chegava morrendo de fome e cansaço, em uma felicidade absurda.
Uma das tradições desse sítio era fazer caranguejada e nunca, nunca me entupi tanto de caranguejo como naquela época. Delícia.
A gente ia em um grande grupo de pessoas, me lembro que os carros faziam uma grande caravana. Não tinha luz, e o lampião era o toque mágico que dava a tudo um halo ainda mais interessante.
Em uma das vezes, quando a gente ia embora, caiu uma chuva monstruosa. uma chuva horrenda. Pela quantidade de pessoas, ia ser demorado, ir e vir com o lampião. Alguém teve uma idéia genial: "e se a gente fizesse uma centopéia?"
E explicou; alguém ia na frente, com o lampião, todo mundo ia atrás, em uma fila indiana...e pra cobrir a cabeça, um super plasticão, um encerado, como eles chamavam.
Pra molecada, festa total, a chuva caía, a gente se esgoelava de dar risada, os adultos faziam medo, e a centopéia de tantas idades saiu da casa até o lugar onde estavam os carros.
Longe, longe...mas isso pode ser a minha lembrança infantil, não sei ao certo.
Me lembro de ter sido divertido, ninguém ficou reclamando, dizendo que estava ruim, que estava complicado, estava todo mundo, em fila indiana, debaixo de chuva. Se divertindo.
Apesar daquele tremendo programa de índio, estava todo mundo se divertindo.
Eu tenho certeza, absoluta, que consigo rir de mim mesma por ter vivido cenas assim.
As lembranças boas são o combustível de reserva dos tempos de tanque vazio. Não acha?
ResponderExcluirBjão
Guga, eu tenho certeza disso.;0)
ResponderExcluirnada melhor do que um bom senso de humor pra transformar chuvarada em acontecimento memorável. Assim é que se deve viver!
ResponderExcluirMaroto, eu ahco que se não for assim, a vida acaba pesando demais.beijão .;0)
ResponderExcluir*
ResponderExcluireu adoro chuva.
e indiadas.
chuvas e indiadas, então.
fiquei canibalisticamente com água na boca pelos meus irmãozinhos de signo.
*
Xôn, vc sempre consegue transformar um comentário em um post...;0)
ResponderExcluirVivien,
ResponderExcluirSeu post remeteu-me ao poema, qu'eu adoro, do Paulo César Pinheiro:
INFÂNCIA
Ali depois do vau da pedra preta,
De quando meu avô pescava ainda,
Foi sempre o canto de praia mais linda
Do mar mais gado do planeta.
Pois em féria escolar, pra lã que eu ia.
Parava a condução na Encruzilhada,
E a pé a gente andava pra Enseada
Com o coração pulando de alegria.
A estrada era de mato e de cascalho.
As casas de sapê, bambu e barro.
E era raro ver passar um carro
Cruzando o lavrador que ia ao trabalho.
Passando o campo, o mangue, o bambuzal,
E aquela curva de meia-ladeira,
Ao se chegar na Ponta-da-Aroeira
Já se avistava todo o litoral.
A Enseada mesmo, o centro do lugar,
Era um pedaço só (seu coração)
Que ia de aquém do pé de fruta-pão
A um pouco adiante do Grupo-Escolar.
Vô Jango e Vó Quinita era a família
De quem morava ali, acho, a mais velha.
Seus filhos eram Tide, Erasmo e Célia,
Mercedes, Naura, Léia e Cecília.
Dos sete filhos, lá ficaram três.
Dois deles meus padrinhos, e Mercedes.
Minha mãe e Léia ao Rio vieram cedo
E Tide e Naura estão em Angra dos Reis.
Gostava de ficar na casa antiga
De quando meu avô teve a visão.
Na frente tinha até caramanchão,
E atrás o rancho, o mar e a brisa amiga.
De um lado (e um bom pedaço) o lodaçal
E do outro um riachinho que corria.
De lá do alto do morro ele descia
Entrando o mar na Ponta-do-Peral.
Ali é que era perigoso o mar.
Ninguém mais mergulhou daquele lado
Depois que Elírio morrera afogado,
(Um primo meu que viera passear).
A vida nesse tempo era assim:
Cedinho tirar leite no curral,
Depois café-de-cana matinal
Com fruta-pão, inhame, angu e aipim.
E após levar o gado para o pasto
Era ir pros pés-de-fruta ou cavalgar,
Ou mergulhar das pedras, ou puxar
Com os pescadores as redes-de-arrasto.
Às quatro da manhã meu avô saía.
E quando ele apontava no horizonte,
Entre tanta canoa (minha mãe que o conte)
A dele minha avó sempre sabia.
Ao meio-dia o almoço sobre a mesa.
Feijão, marisco-e-arroz, uma tainha,
Um bom caldo-de-peixe com farinha,
E miolo-e-água-de-coco à sobremesa.
À tarde meu avô ia fiar
As redes, e eu deitava na canoa.
Adormecia ouvindo história boa
Com o vento bom e o som da água-do-mar.
E antes um pouquinho do sol pôr
Tomava um banho bom de cachoeira
Com os pássaros roçando a cabeleira
E a chuva em mim de pétalas-de-flor.
De noite era a varanda e o lampião
Depois de banho e janta. E meus avós
Juntando os netos todos, todos nós,
Contavam casos de assombração.
E lá foi que eu senti de madrugada
Aos treze anos, com a alma inquieta
A sensação de me sagrar poeta.
Maior eu nunca mais senti mais nada.
Agora já acabou tudo que havia.
Já tem asfalto e luz. Virou cidade.
Esse lugar que eu vi é uma saudade.
E a infância que eu vivi uma poesia.
[extraído do livro "Viola Morena", de Paulo César Pinheiro]
Não podia deixar de transcrevê-lo... (qquer dia, colocarei, no meu blog, a gravação do PCP, declamando-o. Muito legal!)
bjo,
Clé
Clélia, como sempre dando um toque poético.;0) Adorei!
ResponderExcluirerrata:
ResponderExcluir(...) Do mar mais sossegado do planeta.
Pois em féria escolar, pra lá que eu ia. (...)
Vivinha
ResponderExcluirInesquecível centopéia de todas as idades.Falar sobre ela???Só sentir.
Fico feliz em saber que proporcionamos para você lembranças tão felizes.
mamãe
Eu tb fico feliz em ter essa gama de lembranças tão legais. Graças a vcs.;0)
ResponderExcluirbeijos.
vivinha