16 maio 2009

Lugar de Mãe?









Nos primeiros meses desse blog, li em um comentário em outro blog, uma frase que me deixou bastante incomodada. O blogueiro, à guisa de defender o exercício da maternidade, dizia que as mulheres deveriam ser pagas para exercerem esse papel.
Eu publiquei esse post, que vai aqui com algumas observações, sem os muitos comentários da época e sem o nome do blogueiro, porque o que já tinha que ser dito para ele já foi e ficaria até esquisito requentar isso agora.
O caso é que esse deve ter sido um dos maiores posts que escrevi, fiquei ali balablazando sem parar e decidi republicar por conta do livro de Maria Mariana, tão (bem) criticado em vários blogs e no twitter.
Assim, por conta desse papo, republico. Então a mulher "teria" que receber salário para ser mãe...


"Bom, só o fato de ter usado o verbo "ter", já acho que o texto tem problemas.
Denota um autoritarismo retrógrado e calcado na interpretação patriarcal burguesa.
Até creio que se a frase tivesse sido escrita com "poderia" no lugar do "tinha", teria ficado até interessante. Porém a obrigatoriedade, a restrição social que essa condição imporia - sendo mãe, seria apenas...mãe - é um retorno a idealização social da Belle Epoque, equivocadíssima.
Ser remunerada para cuidar dos filhos me parece interessante. Mas ou eu li errado, ou o argumento não se sustenta.
Remunerada por quem? Pelo Estado? Pela Iniciativa privada? Pelo marido?
Pelo Estado me parece uma ótima forma de haver distorções ímpares, dado que o tal "instinto materno" é historicamente construído - e essa concepção de que é inerente a todas as mulheres é tão bem descontruído por Elizabeth Badinter - acho que iriam aparecer muitas distorções desse suposto direito .
Pela iniciativa privada? hum...já até posso ver o controle, os gráficos e as feiras para a otimização da maternidade. Não, obrigada, já estou amarrada com a iniciativa privada, eu passo.
Pelo marido ou namorado? Essa me parece a mais curiosa. Seria algo interessante de ver como se dariam as relações familiares, dado que a mãe seria uma funcionária.
Se as relações de poder já são complexas e opressoras, creio que receber salário do marido, pra cuidar do filho, seria uma forma oficial de sujeição e de um novo exercício de "luta de classes".
Algumas pessoas parecem achar que a dedicação da mulher a sua carreira e a consequente diminuição das horas dentro de casa, seria a causa do aumento de violência e falta de valores morais.
Bom.
Sem dúvida acredito que a sociedade precisa se estruturar de uma forma a contemplar as crianças que não tem uma infra estrutura adequada. Mas vários e difíceis problemas podem acontecer com a mãe fazendo bolo na cozinha, por exemplo.
Não posso deixar de pensar que se observa um passado hipotético onde as familias seriam "de outra forma". Um passado familiar fantasioso, idílico e irreal.
Como historiadora pergunto: Quando exatamente?
Phellipe Ariès escreve sobre a familia e a criança, comprovando que a concepção do que é ser criança e ou adolescente é muito, muito recente. Historiadoras como Michelle Perrot, Martha Esteves e Rachel Soihet desconstroem o mito da mulher idealizada, comprovando através de pesquisas cuidadosas que a ação feminina foi múltipla e, muitas vezes, completamente avessa ao idealizado pelo Positivismo.
Onde era tão melhor para as crianças?
Na antiquidade, onde uma criança poderia ser abandonada pra morrer?
Entre os astecas que costumavam aplicar rigorosos castigos físicos?
Na idade média onde em algumas regiões européias as crianças ficavam sem nome até quase sete anos, em função da enorme mortalidade( morria mais um...o menorzinho, aquele ali), ou talvez em grande parte da idade moderna, onde mas mães não amamentavam os bebês, nem os criavam, caso fossem ricas. Eram criados em casas separadas, ou por amas e babás e apareciam em algum momento do dia, para serem admirados como bonequinhos. Não havia essa familia celular burguesa, não existia sequer essa concepção e afirmar isso é grotescamente anacrônico.
Talvez quem se refira a esse "passado da familia" pense na tradicional familia patriarcal burguesa, que historicamente, é muito, muito nova.
Uma estrutura calcada em um modelo positivista comteando, que pensava na familia como célula mater.
Bom, estamos aqui com o resultado dessa interpretação de mundo. E o que temos é isso, violência, aquecimento global e guerras.
Tudo isso não foi gestado em uma ou duas geração, foi gestado em várias, foi gestado quando o modelo vingente era a familia positivista.
E ainda que se fale deste modelo: essa ideia de mãe acompanhando tarefa escolar e ou participando mais ativamente da vida dos filhos é recente. Mesmo dentro da idealização positivista, o cotidiano das familias - com todas as diferenças intrínsecas a cada classe - não incluia essa interlocução entre pais e filhos. Era um modelo autoritário, muitas vezes hipócrita.
A ideia de pais e filhos fazendo tarefa de casas juntos, jogando ou se entretendo juntos é uma concepção completamente inexistente até boa parte do século XX.
O universo conceitual e espacial da criança era outro.
Eu não consigo visualizar essa lendária época onde as familias eram perfeitas. Essa Atlântida é irreal. É um saudosismo à la viúva Porcina, a que foi sem nunca ter sido.
"Valores morais".
Eu tenho um certo receio dessa expressão. Fico me perguntando se podemos discutir a diferenca conceitual entre ética e moral, mas acho que aí afundamos até as orelhas na hermenêutica e não é esse o objetivo.
Então, vamos pensar em supostos valores.
Patriotismo seria um valor moral, mas um elemento tão belicoso que pode ser apontado como um dos piores males do mundo.
(Certíssimos os anarquistas ao clamarem : "minha pátria são meus sapatos".)
Que outros tipos de valores?
Ética, por exemplo?
Em que momento histórico isso foi um elemento realmente de peso? Me apontem.
Correndo o risco de ser redundante, afirmo, é ingênuo se pensar que vivemos em um momento com menos ética. Vivemos em um momento de grave crise social, sem dúvida, mas calcado em diversos outros problemas.
Esses diversos problemas levam a uma inversão de valores (o traficante passa ser herói, etc), mas essa é uma questão macro e pouco tem a ver com a mãe em casa, fazendo bolo.
Mas se uma retrospectiva histórica seria for feita, vamos ver a história sendo marcada por filhos destronando pais na base da faca, mães abandonando filhos, guerras em nome de deus e deuses, gente morta por dever pra bancos e outras distorções. Fiquemos tranquilos, a barbárie nao é novidade.
Não nego a importãncia da presença materna ou paterna. Só gostaria de atentar para o cuidado de não se deixar levar por uma idealização romantizada de um passado inexistente, cuidado pra não se colocar sobre as costas da mãe as causas de todos os males e equívocos.
E mais, discordo diametralmente da visão que restringe a mulher a ser mãe.
Ainda que ser mãe seja efetivamente o que considero o mais importante, é um dos meus papéis e jamais admitiria que alguém não me permitisse exercer todos os outros.

6 comentários:

  1. Anônimo11:05 AM

    A família ideal é balela, sempre foi.
    Bom post.

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  2. Anônimo, a criação de uma utopia inexistente é a "arma" desses argumentos...

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  3. Eu não sou mãe, optei por não sê-lo, mas se tivesse escolhido ser, não abriria mão de ser mulher, filha, amiga, trabalahdora, enfim um monte de outras coisas, e tenho certeza que teria sido uma bela mãe, sem remuneração, só se fosse em amor.
    Um cheiro.

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  4. ***Jan, eu como sou filha de uma professora e sempre tive muiiito orgulho disso, acredito que tb tenha conseguido ser uma boa mãe, sem ter que ser exclusivamente isso.
    Beijocas.

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  5. Que texto bonito, recheado de reflexões, direções e cutucadas, rico.

    Caiu bem em um dia em que sou mãe que não sabe se compra uma bicicleta ou se aceita ser abduzida pela rotina de profissional, voltando àquela condição que você descreve de mães que só viam os filhos num momentinho do dia, escovadinhos e alimentados. Ó dúvida cruel, ser mãe nunca foi bolinho, concluo.

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  6. ***Ana Carmen, nunca foi bolinho, com certeza...rs
    O cruel é que se pinta essa mãe fictícia e perfeita e ficamos todas aquém desse modelo, né?
    Tenho certeza de que vc vai conseguir definir seu caminho como mãe.;0)
    Beijos.

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