20 agosto 2007

Vida na cadeia









Há algum tempo vi Carandiru, baseado no livro do dr. Dráuzio Varella.
Passei o filme para a primeira turma que tive de Engenharia: como eu trabalhava uma disciplina de Ciências Humanas, achei que seria pertinente dentro das discussões que estávamos tendo e achei que vinha ao encontro dos papos sobre os ataques do PCC aqui pelo estado de São Paulo.
O resultado foi curioso e , se bem estudado, daria uma boa tese: os alunos eram, em grande parte, oriundos da classe trabalhadora e cursavam, com muita dificuldade financeira, uma faculdade particular.
Esse era o ponto que os fazia olhar com repúdio para a realidade que o filme mostrava.queNão se conformavam, observavam o filme pautados em uma leitura maniqueísta dividia bem e mal em lugares estanques e bem separados.Diferentemente do que eu pensei a princípio, eles não só não se identificavam, como forçavam uma separação total entre essas realidades.O que na verdade, socialmente, é irreal.Alguns dos homens que estavam no Carandiru poderiam ter sido meus alunos. Alguns de meus alunos poderia estar no Carandiru. Uma distância tênue os separava.
Mas entendo o ponto de vista dos estudantes: eles se agarravam a todas as suas chances, ou mesmo criavam chances de trabalho e estudo...e não se conformavam com o destino que os outros haviam "escolhido".
Não sei se minha aula mudou algo nesse olhar, gosto de pensar que sim, pelo menos pra uma parte deles.Mas confesso que não tenho certeza disso.
Essa semana li o livro que deu origem ao roteiro: se eu já gostava do filme, agora gosto mais ainda, pela maravilhosa adaptação.
Nem vou discutir as questões sociais que levam grande parcela da população a lotar as cadeias nacionais: qualquer um sabe disso.
O que me impressionou foi a tradução que Dráuzio Varella fez do cotiano da prisão e das regras de conduta, rígidas, tácitas, claras dentro da coletividade.
Quer gostemos ou não, o PCC foi organizado e deu provas de uma união que poucas organizações tem....e essa é uma questão pra se pensar.
Minha admiração por Varella é enorme: trabalhando em condições precárias , junto a uma população que ofereceria medo pra grande parte da população. Eu teria medo.
Apesar disso, ele fez um trabalho memorável e ainda conseguiu dividir isso com pessoas como eu e você, o que levou esse trabalho a outro âmbito.
Quem lê meu blog já deve ter notado que tenho uma grande simpatia por movimentos anarquistas, pela atuação da coletividade.Ainda que de uma maneira torta, o Carandiru foi uma forma de pensar sobre isso: sobre as regras de conduta da coletividade.
Quando um ou outro defende o massacre que houve ali, só consigo pensar que não gostaria de viver em um país em que um policial decide quem vive e quem morre, nem em um lugar onde se entra metralhando pessoas desarmadas. Como eles disseram no livro "eles eram bandidos, não eram burros, não iam enfrentar metralhadora com pedra.
E pra quem crê na pena de morte, penso como Caco Barcellos, no seu incrível ROTA 66 :"Se pena de morte desse certo, São Paulo seria um paraíso".

33 comentários:

  1. Vivinha,
    que lindo post,quanta sensibilidade
    Carandiru mostrou à sociedade uma realidade nua e crua,escondida nos mantos das incompetentes, corruptas
    autoridades.Drausio Varella colocou
    sua vida em risco dos dois lados
    bandido/polícia)foi muito corajoso
    Bjs
    Mamãe

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  2. eu entendo bem os teus alunos - eles poderiam estar no Carandiru mas não estão, porque fizeram certas escolhas, nem sempre as mais fáceis. Por que teriam obrigação de olhar com simpatia quem fêz outras escolhas se esses (das outras escolhas) não os olham com simpatia em retorno?
    Estou provocando, sim, mas o fato é que me invoco com essa proposta de que todo mundo que cai no crime é vítima da sociedade.

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  3. sempre vi pessoas sem posses não aceitarem roubos, corrupção. parece que para eles manterem a civilidade e dignidade precisam ser intolerantes com o crime, masi do que nós que vivemos mais distante dessa realidade. beijos, pedrita

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  4. Vivien, boas colocações voce faz. Quando o meu livro já estiver circulando, vai poder ver que falo mais ou menos isso, só que do ponto de vista de quem vive na periferia e não "escolhe" ir pro Carandirú, simplesmente vai ou deixa-se ir. parecem predestinados a isso. Meus filhos foram criados na periferia de S.Paulo, de cada dez amiguinhos que tiveram, nove estão ou mortos, ou na cadeia. E a pena de morte, já existe. É sim, um policial quem decide os que ficam vivos e os que morrem. São apenas estatística, nada mais.
    Um beijo, menina

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  5. Mãe, minha admiração por ele é imensa e meu choque com aquele massacre tb...beijos.

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  6. Urubua, eu questiono um pouco essa coisa da "esolha", sabe?
    Compreendo o olhar de meus alunos, mas não posso deixar de pensar que , de certa forma, é reducionismo maniqueísta.
    E não consigo pensar em criminalidade sem pensar em miserabilidade....
    beijocas.

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  7. Pedrita, interpretei assim tb, beijocas.

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  8. Valter,
    1) adoooorei o seu post sobre uma tal de renildes.

    2) quanto ao seu livro: quero um autografadíssimo, lógico.

    3) quanto a "pena de morte", é triste mesmo...existe informalmente no país há tempos. E não resolve p*** nenhuma.

    beijos.

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  9. Vivien,

    Concordo com você. Não consigo dissociar violência de miséria. E, justamente por isso, não dá pra engolir essa história de "escolha". Seria uma forma muito simplista de ver a coisa.

    E apesar de eu ser contra a pena de morte institucionalizada, eu sempre digo pras pessoas que a defendem que eu só aceito conversar sobre esse assunto, no dia em que todos tiverem as mesmas chances e oportunidades. Antes disso, falta referência.

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  10. Ufa.....três e meia da manhã.Sentada frente ao pc,escorrendo suor,investigo na net."insónia menopausa" em sos e....:) ganho um premio: descubro o seu blog e o post
    "papo mulherzinha". Ah...não estou só,um abraço para si de parabens pelo Blog -bem interessante- e obrigada.
    Também gosto de Klimt ...será da Menopausa?

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  11. Li o livro, gostei demais, mas não vi o filme. Assunto complicado... uma pessoa se envolve no crime por escolha própria ou não? Mas... se não é questão de escolha, como explicar que pessoas que vivem no mesmo ambiente pouco favorecido têm destinos tão diferentes? Pensar nisso é de fundir os neurônios.

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  12. Arnaldo, assino embaixo mil vezes.beijos.

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  13. Maria, volte sempre...Klimt e papo mulherzinha são oferta da casa.;0)
    beijos.

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  14. Cláudia, acho que a análise envolve milhões de variáveis. Mas é mesmo pra fritar os neurônios.beijos.

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  15. Anônimo4:22 PM

    Se pena de morte não resolve, penitenciária menos ainda! Assisti ao filme e achei muito bom. Não sei se as situações foram "floreadas" para tornam os sentimentos mais contundentes e dar bilheteria (ou renda na venda do livro). Mas acredito que algo está muito, mas muito errado nesses programas de prisão. Não há reabilitação, tratamento psicológico. Nada. Só um amontoado de gente num lugar fétido e minúsculo, tramando fugas para, nas ruas, voltarem a praticar delitos cada vez mais elaborados, já que, nas prisões, nada de bom se aprende.
    Nada contra o livro ou filme, desde que sejam encarados como uma obra. Não a realidade.

    Beijos

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  16. Vivien, querida,
    Estou em falta com você. Faz tempo que não te visito para os meus padrões e vontade. Gosto dos dois livros que você citou, o do Dráuzio e do Caco. Conheço muito bem os dois, pessoalmente. Ótimos caras. Apenas uma observação. Já reparei e sempre me surpreendo com o preconceito encontrado nas classes mais baixas. São eles aqueles que menos aceitam certas coisas.
    Grande beijo

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  17. Anônimo9:11 PM

    Obra prima!
    Os detentos sao tratados como gente, com direito a narrar a propria historia. Lindo!
    Qt aos alunos, bom... mais que buscar construir a imagem de ´pobre limpinho e honesto´, estao dando a resposta pronta, a verdadeira. Afinal, todo mundo sabe que quem quer vencer na vida, e fizer um esforco muito grande, vence; que mendigo esta na rua pq nao quer trabalhar; que mendigo pede dinheiro pra comprar pinga; que se vc der comida pra mendigo ele vai jogar fora; que o mais inteligente e esforcado vence (jamais pergunte pq o pai dele nao venceu...); que os negros, ´eles´, sao mais racistas que os brancos, afinal, usam camisetas com os dizeres 100% negro; que eh mais facil pedir esmola que trabalhar; e mais... mais...
    O debate faz a diferenca? Bom! Vamos acreditar que sim, nao eh? Caso contrario, vamos pendurar a chuteira. Afinal, o nosso passe nao ta valendo muito, nao eh?
    Olha! O pior eh que os riquinhos falam da mesma forma, e vc sabe que eu tenho os meus riquinhos... A diferenca ta entre riquinho intelectualizado e riquinho de shopping: o primeiro sempre vai defender os fracos e oprimidos, pois tal atitude eh mais cult.
    Serah que estou em uma epoca ruim? kkkkk
    bjs

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  18. Anônimo9:25 PM

    Nao se esqueca de fugir da escola e cortar o dedo pra ser presidente! Afinal, ´a gente que estudamos nao conseguimos um bom emprego´. ´O meu pai paga pra mim estudar, e o Lula que fugiu da escola usa terno x (nao me lembro o nome´. A gente somos inutil. (e eu vi, com estes olhos que a terra ha de comer... kkkk... o professor explicar que a gente somos ta certo. Eu vi. Eu ouvi. Eu tava la. E tudo com base na letra do Ultrage. Alias, ele tb era professor de interpretacao... kkkk)
    Mim gosta ganhar dinheiro...
    Puxa! Ainda bem que somos uma nacao emergente.
    Eita! Surto na casa da mae joana... alias, quem mandou colocar este nome? Casa da mae joana: nois entra a faiz o que quer.

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  19. Sandra, eu acho que o conceito de "realidade", assim como vários outros pode e deve ser discutido e rediscutido.Não me atreveria a dizer o que seria mais próximo da realidade de um presídio, porque nunca estive lá...diferentemente do Varella e seu longo trabalho.
    Quanto a inutilidade dos presídios - na forma como são hoje - concordo com vc: precisam ser totalmente reformulados.
    beijos.

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  20. Lord, mais uma vez eu fico pasma com quem vc conhece....;0)
    Inveja é uma coisa horrível, mas eu te confesso que por vezes, nesse ponto, te invejo.
    beijos.

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  22. Foru, quase chorei de rir....depois em dá todos esses 'dados' porque isso merece um post.;0)

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  23. Vivien, concordo coma Urubua. Eu acho esse filme bem ruinzinho, sinceramente e tb muito maniqueísta, exatamente como o maniqueísmo que cristicaste nos teus alunos. Afinal para o filme todo mundo que estava no Carandiru era "super gente boa". Mas eu não sou uma boa alma e não sou chegada em coletividades, mas em somatório de subjetividades e indivíduos.. apenas provocando um pouco.

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  25. Lady a., não sou aqui a propagadora da verdade absoluta, porque não creio nisso.
    Discordo de vc: acho sim que tanto o filme quanto o livro tendiam a mostrar "outroas facetas" dos presidiários. Nesse ponto, não consigo ver maniqueísmo...ele mostrava um lado interessante "também".
    Como eu já disse aqui, apesar de minha brutal dificuldade de convivência em grupos - e provavelmente por isso - tenho uma admiração aberta pelos códigos da coletividade, pela força que ela tem.E mais ainda, tenho enorme admiração por "boas almas", ainda que sejam "fora de moda".
    beijos.

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  26. Vivien,
    O meu cunhado é médico e trabalha com o Dráuzio, que por sinal me deu aula no cursinho Objetivo, quando ainda era professor. O Caco é muito amigo de minha irmã. São conhecimentos que fiz por tabela. Nada ligado à literatura. Apenas coincidência. Quando à inveja, sempre considerei um sentimento humano e normal.
    Grande beijo

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  27. Lord, então quando vc os encontrar, diga sem pestanejar: "tenho uma amiga blogueira que é sua tiete descarada, daquelas beeem panfletárias";0)
    beijos.

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  28. Eu gosto muito do livro e já gostei mais do Varella. No entanto, prefiro a adaptação, em episódios, para TV, sob o nome de "Outras histórias". Eu acho o filme meio mal amarrado. Bjs

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  29. Andrea, não vi essa adaptação que vc falou...fiquei curiosa.
    Se eu te contasse os rumos dos amigos que tive quando morava ai, "na terrinha", vc ficaria pasma...aliás, talvez isso ainda vá virar post.;0)

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  30. Anônimo9:52 AM

    saudade!
    :)
    elisabete cunha

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  31. Elisabete, a Casa é sua.;0)

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  32. Anônimo12:34 PM

    Engracado que eu gosto mais do Ultraje a Rigor agora do que na epoca... rs
    Era nois... continua nois... a gente somos inutil... (ultraGe)kkk

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  33. Frou, o mais bacana de tudo era o tal professor gritando com vc que "a gente somos" estava certim, certim.
    Uia, que belezim...
    Essa eu pagava pra ver, pagava pra ver a sua cara de "não to entendendo esse lunático".hehehe..

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