04 outubro 2008

Sob os olhos de Fernando







Fernando Meirelles acertou em cheio. Ensaio Sobre a Cegueira teve a adaptação que merece, nas mãos desse diretor. O filme com cores apagadas, mortas, foi uma alegria para mim. Muitas vezes aqui, comentei sobre as violências cometidas contra algumas obras, em adaptações tacanhas, obtusas e - em grande parte das vezes - tão distante da obra original que dizer que era "baseado na obra de.." praticamente ofendia.
Não é o caso desse filme. No texto de Saramago, pessoas são acometidas por uma cegueira branca e inesperada, que acaba se alastrando como uma furiosa epidemia. As pessoas contaminadas são colocadas em reclusão, debaixo de regras espartanas e abandonadas à sua própria sorte.
O caos criado beira a loucura. Não é à toa que o autor escolheu um manicômio abandonado para servir de prisão momentãnea para os contaminados.
A nossa cegueira cotidiana em relação a vida, em relação tanto aos minúsculos prazeres quanto aos problemas mais gritantes, fica explícito. Somos cegos, enfim.
Na reclusão, alguns laços de solidariedade são criados e se mantém fortes, entretanto, dentro do caos surgem também os déspotas, como ficou claro com o outro grupo de cego, opressor, violento.
No texto de Saramago, ainda me pareciam mais aterrorizantes, arrastando as barras de ferro no chão.
Li no blog sobre o filme que a cena do estupro coletivo foi mal recebida por grupos de mulheres. A cena é horrível, é suja, é amedrontadora. Por isso é crucial para o filme.
Julianne Moore está perfeita, sendo a Mulher do Médico, uma personagem de uma grandeza ímpar. Rúfalo está aquele fofo de sempre. Os outros estão pefeitos, gostei do toque fashion de se colocar o Primeiro Cego e sua mulher como japoneses.
A apresentação sem nomes, como A Moça dos Óculos Escuros ou os outros, ficou um pouco vaga: pareciam que se apresentavam mencionando as profissões. Em minha leitura, mais do que localizar sua profissão, penso que o autor apresenta personagens que se definem pelo que fazem, se localizam enquanto indivíduo dentro do seu espaço no capitalismo.
Como se o indivíduo fosse, enfim, reduzido e definido pelo que ele faz.
Mas não imagino como transportar isso da literatura para outra linguagem. Assim como o Cão das Lágrimas, comovente no livro, superficial no filme.
De qualquer forma, ainda que algumas sutilezas sejam praticamente intraduzíveis, achei um belíssimo trabalho. Com algumas cenas particularmente bonitas, como o grupo de mulheres limpando o corpo na mulher morta pela violência dos cegos que formaram uma gangue, com aquela solidariedade feminina que é tão impressionante quanto nobre.
E o fim do filme, onde a Cegueira, em todos os seus aspectos, parece ter sido vencida.
Isso fica claro no livro posterior, Ensaio Sobre a Lucidez. Mas isso é conversa pra outro post.

18 comentários:

  1. Vivien quero muito ver esse filme. Tenho lido críticas fantásticas sobre ele e a sua também não fica atrás :)

    Beijocas

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  2. Márcia, obrigada. Sei que vc vai gostar, beijocas.
    ;0)

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  3. Anônimo8:25 AM

    adorei o livro e muito,muito, mas muito mesmo do filme.
    O Meirelles é o CARA!
    bjs

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  4. Anônimo6:49 PM

    Pretendo assisti-lo esta semana. Gostaria que meus alunos também fossem, no entanto, preocupo-me com esta cena do estupro.Espero que seja um temor infundado.
    beijo, menina

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  5. Anônimo8:35 AM

    oi vivien! acabei de postar sobre o filme e vim aqui espiar sua casa! que legal! estamos em conexão. nossa, eu amei o filme, não sei se é porque amei o livro. vou reassistir esta semana e aí tentarei alguma crítica. o cachorro também me decepcionou um pouco em cena. pode ser porque o "meu cão que lambe lágrimas" era um vira-latinha mais amigo que um cachorro tão chique. a cena do estupro confesso que fiquei curiosa para ver na integra mas quando meirelles explica que não quis fazer outro "irreversível" me senti aliviada - achei irreversivel incrível mas aquela cena do estupro me deu um nó no estômago em que me odiei profundamente de não ter virado a cabeça, ido no banheiro... enfim!
    valeu pelo post querida!beijo!

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  6. Anônimo9:49 AM

    Oi querida,
    andei retirada, vou retomar os e-mais das amizades mais amigas.
    Pra variar, não fui ver (AINDA!!!) o filme. Gostei do artigo outro dia no EStadão da filósofa Regina Schopke (conhece? eu não conhecia). Trazia uma citação de Descartes:
    "Bom senso é a coisa mais bem partilhada já que todos acreditam tê-lo em dose mais do que suficiente."
    Todo o artigo é muito bom, assim como essa citação.
    Saudades,
    Sibila.

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  7. Anônimo12:14 PM

    E mais um pouco, só de querer conversar sobre algo também, entre tantas coisas que disse.
    Essa idéia do "se é o que se executa", funcionalista (ou seja, é nos pega como se fôssemos máquina ou algo parecido), não cabe a ninguém. Embora muito do que fazemos (e fizemos) seja o que acabamos por ser, em parte.
    As pessoas são mais átomos, palavras , cheiro, cor, gesto, ânima-magnífica.
    E nem sou tipo espiritualista.
    TIPO???
    ODEIO SOCIOLOGIA!!!!
    rárárá.

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  8. ***Googa, acho que vc vai adorar.
    beijos.

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  9. ***Denise, a cena é importante pra se discutir a questão da opressão.
    Forte, mas necessária.
    Depois em conte o que seus alunos acharam, tá?
    beijos.

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  10. ***Eliza, obrigada pela menção no seu blog.;0)
    Acho que o filme faz juz ao livro. Vi a emoção do Saramago ao assistir...isso foi demais.
    grande beijo.

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  11. ***Sibila, concordo com vc...por isso acho que o fato de Saramago as definir assim incrivel, uma critica sagaz ao quanto somos reduzidos dentro de um olhar consumista.
    "As pessoas são mais átomos, palavras , cheiro, cor, gesto, ânima-magnífica.
    E nem sou tipo espiritualista.
    TIPO???
    ODEIO SOCIOLOGIA!!!!" ...parece que estou vendo vc falar...!
    beijos e saudades.

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  12. Quem sabe, consigo assisti-lo.
    Vou tentar.
    Beijos menina.
    Tem lançamento do Lord por aí né?

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  13. Vi, no li o livro e não creio que veja o filme, eu decididamente não gosto de Saramago. Tem seu nome no post novo do Recomeçar. Beijos carinhosos cheios de energia positiva do outro lado do oceano
    sua amiga sempre

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  14. Vivinha,
    vc faz um RX perfeito da obra, parabéns.
    Vai ficar para a história o choro do Saramago e o beijo do F.Meirelles.
    Bjs
    Mamãe

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  15. Vivien!
    Vim agradecer so agora a visita no meu blog e dizer que finalmente voltei a escrever.
    Beijos!

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  16. Nossa! Que notícia maravilhosa!
    Eu já tinha decidido passar bem longe do cinema com medo de ver uma de minhas obras prediletas destruída. Tava morrendo de medo!
    Nossa! Que bom!
    E a mulher do médico é tão fantástica quanto no filme? Agora eu tô doida para assistir...
    Valeu amiguinha!
    Adorei o texto.
    beijos
    Frou
    :o)

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  17. oi, Vivien! vi no LV da Fal que vc. está aqui em Campinas!
    ainda não vi o filme, mas adorei o comentário do Saramago sobre as críticas!
    bj

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  18. ***Anunha, depois me conta o que achou.;0)
    Fui no lançamento campineiro do Lord, não pude ficar muito por conta de uns problemas, mas claro que passei pra dar um abraço no nosso querido amigo.
    beijocas.

    ***Dri, saudades de vc!!!! beijos.

    ***Mãe, obrigada. E a cena foi demais mesmo, beijos.

    ***Paula, já estou indo lá..beijos.

    ***Frou, dá pra assistir sem medo de ser feliz.;0)
    beijos.

    ***Luci, ando por aqui desde 1985...rs..orbigada pela visita, beijos.

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