08 fevereiro 2010

As moiras


Eu estava saindo do supermercado,com minha mãe. A velhinha me abordou:
- oi. Você pode me levar pra casa?
Foi tão rápido, respondi sem pensar:
- claro que posso.
Minha mãe foi racional:
- Mas a senhora está sozinha? Com quem a senhora veio?
Ela explicou que tinha vindo sozinha, mas que era difícil voltar de ônibus, com as compras. Olhei as compras dela, sacolinhas amarradas em um carrinho de feira.
Fomos pro meu carro, mas era difícil colocar o carrinho de feira na mala.
Ela organizava:
- Nós três juntas vamos conseguir, vai, vamos lá, um, doi,três!!!
Tive de chamar um funcinário pra ajudar, ela falava, lúcida e animadamente.
Contou que era sozinha, não tinha casado ou tido filhos, que tinha tido uma sobrinha que a ajudava, mas a sobrinha havia morrido.
Ela parecia minha avó, falava como minha avó e aquilo me doeu de forma insuportável. Eu dirigia e chorava , achando ótimos poder esconder isso nos óculos escuros.
Pensei naquela cena insólita: na tríade feminina, a mulher, a senhora e a velha.
Tenho mania de achar que tudo é um sinal, tudo significa algo além do que posso ver. Aquele dia, pra mim, foi um sinal.
Me comovi com a velha e sua solidão, me comovi com a velhice que iria chegar pra minha mãe e pra mim, me comovi com a saudade descomunal que sinto de minha avó.
Ela contou da vida, falou muito, me abençoou. Disse pra chama-la de Detinha, porque todo mundo a chamava assim.
Deixei dona Detinha em um prédio de classe média, onde o porteiro veio ajudar a tirar o carrinho e a velhinha. Muito cuidadoso com ela, porque ela inspira isso.Eu disse que era perigoso, que ela não deveria fazer isso, mas ela riu e disse que sempre tinha gente boa no mundo, gente pra ajudar.
Abracei chorando a d.Detinha, esperando que ela continuasse com essa gana de lutar contra a solidão e com esse jeito de avó.




***Publicado originalmente em março de 2007.

33 comentários:

  1. Afe, até ue chorei aqui!
    Será que serei uma velhinha assim?

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  2. Tati, vc vai ser uma velhinha cantadadora, cheia de gente em volta pra te ouvir.
    Eu vou de balançar a bengala : "canta olhos negros!!!"...rs

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  3. eu também sinto uma saudade descomunal das minhas duas avós.

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  4. eu ia ter ficado com medo da velhinha, sou tão paranóica!

    Te mandei um email agora há pouco, tá?

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  5. Lulu, eu vi vc falando que discute literatura com seu avô, achei uma delicia.

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  6. Urubua, com medo da velhinha????...rs
    Eu to abrindo os emails.bj.

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  7. *



    eu admiro gente assim, que toma a vida nas mãos, que age, que não se intimida.

    creio fortemente que estar sózinho não é estar solitário, e imagino a força que essa velinnha tem.

    também admiro que dá a mão aos outros, quem faz esses atos impensados e é solidário.

    preciso aprender a ser mais assim.




    *

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  8. Lindo o seu gesto! Este post me lembrou a minha avó. Tb sinto muito falta da velha. Não sei se vc leu um post que fiz sobre ela, em janeiro, Sou Apenas Uma Preta Velha.... Dê só uma olhada e duvido que não se emocione.
    bjs e ot findi

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  9. comovente. Saudades das minhas duas.
    bj

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  10. Anônimo3:42 AM

    Vi, e reconfortante saber que ainda existam pessoas solidarias como voce e a sua mae neste mudo...ai que saudades tenho da inha avo, tinha uma sabedoria sem fim, aceitava os fatos da vida com tanta naturalidade...
    Beijinhos amiga querida e continue assim como eres, pois o mundo anda precisando de pessoas assim...e de um beijo na sua mae por mim do outro lado do oceano

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  11. Xôn, ela me impressionou muito, e quanto mais falava, contava de si mesma, mais me impressionava e emocionava.

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  12. Julio, comecei a ler seu blog por causa desse post.;0)

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  13. Guga, sinto muita falta da minha avó. O que me consola é que passei muito tempo com ela, conversei muito, ouvi muito, tive muitos bons momentos com ela.
    Quando ela vinha pra Campinas, já se animava toda, dizia que adorava que eu a levasse pra passear. Soltar aquela velhinha em um shopping era um perigo...rs
    Nos últimos anos, ela ia de cadeira de rodas, quando vejo uma velhinha bonita de cadeira de rodas, é fatal, a saudade vem, bate e dói.

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  14. Dri, beijo pra vc tb. Acho que já tropecei com tanta gente solidária, com tanta ajuda em momentos que precisei, que acho - sempre, sempre- que ESSE é o caminho possível.

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  15. Gesto lindo, minha querida.
    Você avançar tanto pelo tempo e ainda ter Fé nas pessoas, nos dias de hoje, é louvável e uma benção, é ter consciência de seus feitos no mundo, dá um senso danado de realização, não?

    Beijos, boa semana!

    P.S.: adorei a ilustração das Moiras. Como eu adoro mitos e esse é o meu predileto, escrevi um roteiro para curta-metragem inspirado nelas, chmado de FATALidades, que guarda um clima meio sombrio. Engraçado que ele já foi pensado para virar quadrinhos... se quiser ler, te mando.

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  16. Anônimo8:58 AM

    Também fiquei com os olhos úmidos... ai... triste ser velha e sozinha... mas é maravilhoso ver que D. Detinha não se abate por isso e, com gana e um sorriso, vence essa duas situações ruins.

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  17. Alek, CLAAAAAAAAAARO QUE QUERO!!!!
    Adoro o que vc escreve, to super curiosa, manda já.;0)

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  18. Cláudia, são tantos idosos por ai, vivendo em condições pra la de sub humanas...não há como não ficar bodeado, né?
    beijos.

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  19. Já mandei, minha linda!
    beijo

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  20. Meus avós eram contadores de causos e histórias....
    Ele um sábio chinês, ela uma moira, senhora dos nossos destinos....
    Bacana essa velhinha, odeio gente que maltrata criança e velho, admiro quem os respeite.

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  21. Uma vivência linda!

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  22. Tagarela, fiquei curiosa pra saber das histórias dos seus avós! volte sempre, bj.

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  23. Anônimo11:43 PM

    Maravilhoso! Vc se superou com as Moiras.

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  24. Anônimo11:43 PM

    To vendo a D. Detinha

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  25. Frou, que bom ue vc gostou.Vc teria adorado a D.Detinha.;0)

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  26. A vida podia ou não podia ser mais simples, hein?

    Beijinhos...

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  27. Adorei, chorei um pouco e sorri no final

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  28. ***Rita, podia.;0) beijos.

    ***Cecy, eu fiz isso naquele dia.;0) beijos.

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  29. Vivinha
    Que dia apaixonante foi aquele.bjs

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  30. ***Mãe, foi mesmo: inusitado e bacana.;0)
    beijos.

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  31. Cara, isso é... engraçado, se é possível dizer assim. As pessoas que a gente encontra e logo de cara nos mostram tantas coisas...

    =ó)

    Eu ri muito com o "travecos em miniaturas" que você escreveu num texto mais pra cima. hahaha. Genial!

    E seu blog sobre dietas é ótimo também. Vou mandar para uma amiga que está fazendo esforço para perder uns quilinhos.

    Sempre bom te ler!

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  32. Anônimo10:02 AM

    Mantenho o comentário: vc se superou!
    bjs
    Frou
    :o)

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