Minha avó era uma dondoquinha carioca que se orgulhava de seu piano. Meu avô era um filho de fazendeiro paulista que trabalhava como tropeiro da fazenda. Ambos tinham grana, um certo status e uma vida bastante confortável.
Minha avó, Gogóia, se mudou para uma fazenda no interior de São Paulo, onde o pai foi se tratar de uma série de problemas de saúde. Lá conheceu um jovem chamado Gabriel, que era tão lindo com seus irresistíveis olhos azuis, que já tinha o apelido que carregaria até ser avô: Belo.
Belo e Gogóia namoraram e casaram: ela com 19 anos , recém orfã , ele com pouco mais de 20, tornado pobre por um negócio equivocado do pai. Perderam a fazenda e tiveram uma vida de privações. Diferentemente da juventude, passaram uma vida apertada e difícil. E tendo oito filhos, tudo era ainda mais trabalhoso. Mas devo dizer que não me lembro de tê-los visto reclamando disso.
Minha avó nunca mais teve seu piano, mas isso é tema pra outra história.
Meu avô continuou tocando seu violão, como eu já contei aqui, algumas músicas, como Índia,são impossíveis de ouvir: eu simplesmente choro mesmo, mesmo que eu tente dar uma de durona, é fogo, não dá. Abro a boca.Me comove demais.
Ele tinha uma bela voz de seresteiro e algumas das noites mais lindas que tive na infância foram no sítio do meu padrinho: os tios , tias, primos, sentados nas cadeiras e redes, sob a luz do lampião, ouvindo meu avô cantando e tocando violão. Dá um nó na garganta só de lembrar.
Tenho sonhos nonsense com eles. Conversamos muito nesses sonhos.
- vó, agora que você morreu , vou te ver menos, né?
- ah, vai ser assim.....rindo
E falamos normalmente: ela do lado de lá e eu do lado de cá.
Mas a saudade ainda é insuportável.
NOITE CHEIA DE ESTRELAS
(cândido das Neves)
Noite alta, céu risonho,a quietude é quase um sonho...
O luar cai sobre a mata,qual uma chuva de pratade raríssimo esplendor.
Só tu dormes, não escutas o teu cantorrevelando a lua airosaa história dolorosa deste amor.
Lua, manda a tua luz prateadadespertar a minha amada!
Quero matar os meus desejos,sufocá-la com meus beijos...
Canto, e a mulher que eu amo tantonão me escuta, está dormindo.
Canto e, por fim,nem a lua tem pena de mim,pois, ao ver que quem te chama sou eu,entre a neblina se escondeu.
Lá no alto a lua esquivaestá no céu tão pensativa...
As estrelas tão serenas,qual dilúvio de falenas,andam tontas ao luar...
Todo o astral
ficou silente para escutar o teu nome entre as as dolorosas queixas ao luar!
Essa foi uma das poucas reproduções que encontrei no youtube. Não é um cantor famoso, é um anõnimo que cantou e postou a música que gosto tanto e que tanto me lembra o vovô.
Duvido que um Botelho escute isso sem lutar contra o choro.
****publicado originalmente em 2007.
Meu avô me contava histórias e foi através dela que quis conhecer os lugares, ler sobre eles. E vários anos depois dele ter partido ainda sinto uma imensa saudades dele.
ResponderExcluirVivien, meu nono era músico e nos idos tempos de sua juventude, tinha uma orquestra com seus irmãos e primos. Ele tocava acordeon, e assim como você, até hoje choro ao ouvir certas músicas que ele tocava. Asa Branca é uma que me vem à cabeça e me traz lágrimas só de pensar nele com seu acordeon. Fui... tô aqui engasgada. Beijocas.
ResponderExcluirVi, as lagrimas me nublaram a visao qdo li seu blog...me deu uma saudades imensa dos meus avos...ja faz tanto tempo...existia uma sabedoria tao grande da parte da minha avo que ate hoje parece que escuta suas palavras em momentos que mais necessita...
ResponderExcluirBeijos carinhosos do outro lado do oceano.
PS.:A sua resposta esta no meu blog
Vivien,
ResponderExcluirLindo! Fiquei muito comovido. Por tudo, inclusive algumas coincidências. Minha mãe tocava piano, estudou quando mocinha. Quando nasci, para poder comprar uma geladeira e proteger o leite do calor carioca, vendeu-o e nunca mais tocou.
Tive uma avó, Heloísa, que foi a pessoa mais importante e que mais amei na vida.
Adoro o verso: Lá no alto a lua esquiva está no céu tão pensativa...
Beijo
que lindo texto, quase dá pra ouvir teu avô cantando!
ResponderExcluirnão conheci o meu, mas fico imaginando como ele seria comigo, minha mãe conta algumas histórias sobre ele, imagino ele como um belo homem, as fotos comprovam, ele também era muito bonito ;)
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ResponderExcluirolhando pra trás é que vemos como nossa vida é mais fácil hoje.
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Ai Deus... por que que a gente acaba com tanta saudade dos avós? Minha avó materna morreu há 25 anos e eu ainda sonho com ela, choro quando lembro das coisas boas que a gente fazia... que coisa...
ResponderExcluirLino, ouvir histórias dos meus avós sempre foi algo absolutamente delicioso pra mim. Eram momentos mágicos, sem dúvida.;0)
ResponderExcluirEdelize, minha mãe toca acordeon e piano, adoro o som de ambos.
ResponderExcluirAsa branca é muito comovente, delicada e tocante.;0)
Dri, sorte nossa que pudemos ter um pouco dessa sabedoria por perto. Me lembro de história que vc contou de sua avó, ela devia ser mesmo uma pessoa maravilhosa.;0)
ResponderExcluirLord, eu dei um piano de presente pra minha mãe e ela disse que eu realizava um sonho de gerações.;0)
ResponderExcluirTb adoro esse verso, a música é mesmo muito bonita, e na voz do meu avô, ficava ainda melhor.
Graziana, tive a sorte de ter os quatro avós. Mas esses dois, pais da minha mãe, foram os que mais me relacionei e com quem mais fiquei - e fiquei muiiiito - ligada.;0)
ResponderExcluirXôn, perto do que eles passaram, meus problemas são uma anedota.;0)bj.
ResponderExcluirCláudia, coisas do amor, né?
ResponderExcluirMas a saudade guarda lembranças e eu tenho muitas.;0)
Vivien,
ResponderExcluirAinda tenho uma das minhas avós viva (com 93 anos!). Na verdade, ela é a tia-avó da minha mãe (irmã da mãe dela), e foi quem a criou. O legal, com isso, é qu'eu sempre tive 4 avós (2 maternas e 2 paternas), pois meu pai tb não foi criado por sua mãe biológica, que morreu, qdo ele ainda era pequeno. Histórias do interior da Bahia...
Não quero fazê-la chorar, mas encontrei esta linda gravação, com Sílvio Caldas, da letra que você colocou no post... Ouça:
Noite cheia de estrelas
Cândido das Neves
Noite alta, céu risonho
A quietude é quase um sonho
O luar cai sobre a mata
Qual uma chuva de prata
De raríssimo esplendor
Só tu dormes, não escutas
O teu cantor
Revelando à lua airosa
A história dolorosa desse amor
Lua
Manda a tua luz prateada
Despertar a minha amada
Quero matar meus desejos
Sufocá-la com os meus beijos
Canto
E a mulher que eu amo tanto
Não me escuta, está dormindo
Canto e por fim
Nem a lua tem pena de mim
Pois ao ver que quem te chama sou eu
Entre a neblina se escondeu
Lá no alto a lua esquiva
Está no céu tão pensativa
As estrelas tão serenas
Qual dilúvio de falenas
Andam tontas ao luar
Todo o astral ficou silente
Para escutar
O teu nome entre as endechas
As dolorosas queixas
Ao luar
__________
endecha (ê) [Do esp. endecha < lat. indicta, 'coisas proclamadas', neutro pl. do part. de indicere, 'proclamar'.]
S. f.
1. Composição formada de estâncias de quatro versos de cinco sílabas.
2. Poesia fúnebre, muito triste.
3. Canção melancólica.
falena [Do tax. Phalaena.]
S. f. Zool.
1. Gênero de insetos lepidópteros, noctuídeos, que reúne mariposas noturnas cujas larvas, fitófagas, são nocivas a culturas vegetais.
2. Espécie, ou espécime desse gênero.
bjão,
Clé
Esqueci de explicar: clique na palavra "gravação", pra ouvir a música (GOEAR).
ResponderExcluirClélia, estou na unicamp e aqui não tem som . ( só se eu tivesse fones, o que não tenho)
ResponderExcluirO que é uma boa notícia, porque eu ia ouvir, ia chorar e ia dar vexame.;0)
To doida pra ouvir a música, obrigada, querida.
Não conheci meus avós, mas os meus filhos já tiveram o rpivilégio de ter os deles que amaram muito.
ResponderExcluirMinha mãe foi uma avó maravilhosa para os netos. Já se foi, e todos sem excessão sentiram a mesma falta que você, foi prá eles uma grande perda.
De que lugar do interior de S Paulo eles eram?
Beijos querida.
Meu avô era de presidente Venceslau, ainda existem parentes nossos por lá.;0)
ResponderExcluirViva Seu Belo e D. Gloria!
ResponderExcluirLindos!
Olá!
ResponderExcluirDescobri seu blog através de meu pai, que buscou esta música no google para conseguir a letra. Gostei muito do quadro da mãe com o filho e, se possível, gostaria de saber a autoria do mesmo.
Obrigada!
beatriz76@terra.com.br
Seu blog anda cada vez mais lindo e cativante. Mas esse post foi de arrebentar. Eu me emocionei, lembrei de tantas coisas....
ResponderExcluirPoxa Vivien, brigadão.
Precisamos urgentemente comer aquela pizza....
***Pablo, fico feliz em saber. 'Bora comer pizza!;0)
ResponderExcluirbeijos.